06 de julho de 2022 | 03h00
O beijo da namorada, o respeito do filho, a paciência do adulto, a desobediência da criança, a inveja do colega, o desejo pela juventude, o fim do mundo quando o mundo é governado por um imbecil, a paz na guerra, o choro pelo morto amado, o destruidor sentimento de perda quando uma pessoa amada tem demência precoce, o susto assustador e a inacreditável morte súbita, a ignorância de um livro lido algumas vezes.
O esquecimento do que se disse há cinco minutos, a rejeição quando se está apaixonado, a desfaçatez do político ladrão, o crime de lesa-pátria sem castigo, a comida cara e ruim, a potência diante de um corpo desejado e oferecido, um dia de sol em Icaraí, um filme de Frank Capra, o piano de mamãe, o encontro de corações que se gostam, as boas coincidências, o pão para os pobres, o sapato engraxado, o final da tempestade, uma crônica de Nelson Rodrigues, o sentimento de amar e ser amado, os filhos e os filhos dos filhos, o primeiro relógio, o gosto de quebrar uma janela a pedradas, a habilidade de fazer um gol.
O poder de devolver um presente, a curiosidade sobre a morte, o banho gelado depois da corrida, um gole de uísque com amigos queridos, a oração feita com fervor, a esperança de dias melhores, a lua cheia promovendo sombras, a queda do cavalo, as águas de março cantadas por Elis e Jobim, o amor pelo Brasil, a mais pura sinceridade, o prazer de dar e receber, o abraço de um amigo velho, o achar o procurado, o saber que você ainda anda de bicicleta, ter medo de alma do outro mundo, perder-se, ouvir o sabichão, terminar a crônica, receber o dinheiro emprestado, a silhueta montanhosa do Rio de Janeiro vista de Niterói, descobrir que o Pão de Açúcar é uma montanha, ir ao teatro pela primeira vez, ficar sozinho, ir ao barbeiro, curar-se de uma doença, ver o político ladrão na cadeia, sentir tristeza pelo amigo, fantasiar sobre sexo, comer um vatapá amazonense em Manaus, ver o rio Amazonas, viver o senso de humor dos índios, comprar um novo computador, ser reconhecido, ter amigos fiéis, suportar o sofrimento imposto pela transitoriedade.
Viver sem reclamar muito no Vale de Lágrimas, rezar uma ave-maria, comer um pastel com caldo de cana, terminar um curso, fracassar e tentar novamente, descobrir o narcisismo nos outros e que denuncia o nosso, ver o filho andar pela primeira vez, fazer uma cesta num jogo disputado de basquete, abraçar uma namorada de corpo inteiro pela primeira vez, ter uma longa vida.
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