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Coluna semanal do historiador Leandro Karnal, com crônicas e textos sobre ética, religião, comportamento e atualidades

Opinião|O que eu posso fazer por você?

Ninguém mentira, apenas o mundo tridimensional tangível era diferente do imaginado

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Atualização:

Ela começou a usar um aplicativo de encontros. Estava fora da sua zona de conforto. As amigas tinham dito que funcionava. Parecia uma capitulação: o fim do flerte e do olhar furtivo no bar. Por que não tentar? Maria Alice criou coragem, fez um perfil e, instigada pela claque das colegas, entrou no jogo da sedução da internet.

Houve dezenas de acessos e de cantadas, das mais sutis às mais vulgares. Havia homens babacas no bar e nas redes, pensou. Havia, igualmente, os interessantes. 

Uma foto em um aplicativo de relacionamento é o ponto de partida para a crônica de Leandro Karnal Foto: Shutterbug75/Pixabay

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Não foi o nome nem o corpo. Maria Alice foi seduzida por uma foto. Arthur estava em preto e branco, de perfil. Ele contemplava algo insinuado pelo olhar terno. Ela queria ser o objeto que ele contemplava. Aquele olhar era algo intenso, arfante, calmo e forte ao mesmo tempo. A essência da foto precedeu a existência. Ela pensou e conseguiu: tomariam um café na Paulista no fim da tarde.

O encontro ocorreu ao entardecer de um dia de abril. O céu do quarto mês é algo metafísico. Ela intuiu que aquele crepúsculo seria decisivo. Tudo foi dito no primeiro olhar ao vivo. Arthur? A voz dela não escondia a decepção. Era feio o mancebo? Não? Mal-arrumado, tosco de feições ou deselegante? De forma alguma! Apenas... ele era muito distante da foto. O olhar sépia da imagem era um contraste com o real. Ela baixou os olhos, constrangida. Ninguém mentira, apenas o mundo tridimensional tangível era diferente do imaginado. Ele notou logo. Era um homem com certo equilíbrio. Não ficou magoado. Achou-a doce. Por ele seguiriam em frente.

Era evidente que Maria Alice desejava sair dali. Terno, sem ressentimentos visíveis, o jovem perguntou: “O que eu posso fazer por você?”. Ela respondeu à queima-roupa, sem o tato diplomático que era sua marca: “Você poderia me dar o nome do seu fotógrafo?”. Ele entendeu, sorriu e passou o número de Alfredo... 

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Maria Alice se desculpou e saiu constrangida. A foto tinha virado uma espécie de obsessão. Marcou hora com o profissional para o dia seguinte. Ainda seria abril, quem sabe se... Sim, desde que chegou ao estúdio na Vila Madalena, ela entendeu que não era o olhar de Arthur que ela desejara, todavia a sensibilidade de Alfredo que captara algo que excedia o carisma do fotografado. Foi amor à primeira vista. Casaram-se em três meses. Como o místico que encontra deus na obra da Natureza, Maria Alice encontrara sua divindade no fotógrafo que fizera o famoso retrato. Ela havia confundido criador e criatura, porém, agora estava feliz e com novas esperanças... 

Opinião por Leandro Karnal
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