O público decide o quanto quer ver

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Por Maria Eugenia de Menezes
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Mesmo o público acostumado à prolixidade dos espetáculos do Teatro Oficina - encenações que podem se estender por seis, sete horas - pode se assustar com a duração da montagem carioca O Interrogatório. Isso porque a peça, que faz única apresentação amanhã dentro da Mostra Sesc de Artes, deve durar nada menos do que12 horas. Começa às 18h e só se encerra às 6h da manhã do dia seguinte. Mas não há motivos para temer essa longa jornada noite adentro, garante o diretor Eduardo Wotzik. "O espectador pode entrar e sair quando e quantas vezes quiser", diz ele. "É como se estivéssemos abrindo a peça à visitação, como se fosse uma exposição em que cada um escolhe quanto quer ficar."Diante da explanação, inevitável que surja a dúvida: mas será possível entrar em qualquer momento e compreender o que se passa no palco? Se tivermos em mente que O Interrogatório é o afamado texto de Peter Weiss sobre os crimes cometidos em Auschwitz é possível arriscar uma resposta afirmativa. "O Holocausto é um capítulo de uma novela que nós, infelizmente, conhecemos muito bem. Então, não há prejuízo nenhum para o espectador que assistir a apenas um pedaço", acredita Wotzik.Peter Weiss alcançou a fama e a reverência da crítica com Marat/Sade. Lançada em 1965, O Interrogatório também permanece no rol das obras mais revisitadas do dramaturgo alemão. O texto lança-se a um propósito monumental. Recompõe um dos mais marcantes episódios da história contemporânea: o julgamento de Frankfurt, ocasião em que os oficiais nazistas foram processados. A peça foi escrita depois de o autor ter acompanhado pessoalmente todos os depoimentos, em 1964. Sua estreia, que ocorreu um ano depois nas duas Alemanhas - a ocidental e a oriental - causou alvoroço. Conquistou defensores ardorosos e detratores enfurecidos. Mas nenhum deles poderia acusar ou louvar Weiss por ter tomado partido. Perseguido ele mesmo pelos nazistas quando ainda era criança, o dramaturgo suspende o juízo e detém-se na parte pré-julgamento. O momento do interrogatório, em que vítimas e réus relatam o que viveram no campo de concentração. Épico. Muito comparado a Bertolt Brecht pelo formato épico do seu teatro e pelo seu apego aos episódios históricos, Weiss se diferenciaria do precursor justamente por entregar ao espectador o peso de condenar. "Brecht não se exime de dar opinião, o seu teatro é mais ideológico. Já Weiss faz uma exposição emocional dos fatos para que a plateia decida", argumenta o diretor. Com mais de 30 atores em cena, a atual montagem entrou em cartaz no Rio em 2009 e fez sessões em formatos diferentes do que será visto por aqui: um deles com 6 horas e outro com a duração de um dia inteiro, 24 horas. Em todos eles, porém, a lógica é a mesma: o público circula livremente e os atores permanecem o tempo inteiro no palco. À vista de todos, os intérpretes comem e até dormem se quiserem. Tudo como se estivessem em um julgamento de verdade. Que pode até ser interrompido de vez em quando, mas não termina nunca. O Interrogatório - Sesc Consolação. Rua Dr. Vila Nova, 245., 3234-3000. Sábado, 18h. R$24.

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