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O prazer de ser escritor

Mario Prata, que estará no Sesc Carmo hoje e amanhã, explica o processo de criar

Por Ubiratan Brasil - O Estado de S.Paulo
Atualização:

Mario Prata escreve crônicas, romances, peças de teatro e telenovelas, um leque amplo que o torna um leitor também abrangente. Por conta disso, ele foi convidado pelo Sesc Carmo para participar, hoje e amanhã, de dois eventos: no primeiro, vai apresentar ao público uma seleção de livros a partir do acervo da biblioteca daquele Sesc, e outro, amanhã, ao lado de Anna Verônica Mautner, de um bate-papo sobre crônicas.

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Prata, cuja obra começa a ser reeditada pela editora Planeta, comentou sobre o ato da escrita na seguinte entrevista, realizada por e-mail.

Quando começa a escrever, você já sabe qual formato vai usar?

Existe uma diferença entre a ideia do que escrever e o começar a escrever. Claro que primeiro vem a ideia. E é no momento que ela surge - para mim, o instante máximo do ato criativo - que ela se formata por si mesma na minha cabeça. O surgimento de uma ideia dura alguns segundos. Ela vem em uma ou duas linhas: uma criança ainda. Mas já grandinha o suficiente para você saber se ela irá se transformar numa crônica, peça de teatro, filme ou até mesmo telenovela. Depois de amadurecida (isso pode levar de um dia a alguns anos), ela pode inclusive vir a morrer: não era uma boa ideia. Foi um engano. Para mim, o surgimento inicial de uma ideia é tão poderoso e forte que me lembro de onde estava, com quem, com que roupa, quando tive algumas delas. E tem um negócio interessante: as boas ideias surgem quando estou mais cansado e estressado. É uma sensação de prazer quando uma delas nos domina.

Há obras que você não gosta?

Há algumas vantagens de ser um escritor brasileiro (poucas, mas existem): no Brasil, o fracasso não faz o menor sucesso. Em alguns países, um fracasso pode encerrar uma carreira. Felizmente tenho bem mais sucessos do que fracassos. Quanto a livros que não gosto (acho que estou perto do 20.º livro), tenho dois: Buscando o Seu Mindinho e Diário de Um Magro 2. O primeiro por ter sido escrito sob encomenda da Objetiva. Ou seja, não partiu de uma ideia minha, ficou difícil, o trabalho foi arrastado, quase doloroso. O segundo foi uma tentativa de sucesso em cima do primeiro Diário de Um Magro. O assunto já havia se esgotado. Das novelas, gosto apenas de Estúpido Cupido (Globo) e Helena (Manchete). E gostava muito do projeto de Bang Bang que, infelizmente, não deu certo: fui muito abusado.

E as que mais gosta?

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O resto eu gosto de tudo. São quase 80 trabalhos entre livros, peças de teatro, telenovelas, mais de 2 mil crônicas, roteiros de cinema, em 51 anos de carreira. E não é apenas pelo sucesso de alguns, mas pelo prazer que tive em fazer. Na minha profissão, trabalha-se quase sempre com prazer. É o máximo quando se cria um personagem mais forte que a gente. Ele nos domina, fala o que quer. Há pouco tempo, escrevendo Sete de Paus, meu primeiro policial, de repente o personagem Fioravanti soltou uma frase totalmente machista, um horror mesmo. Disse um negócio que eu jamais ousaria até mesmo pensar. Deixei no livro, mas fiz um rodapé limpando a minha barra. Explicando que eu não tinha nada a ver com aquilo. Foi "ele" quem disse. Entendeu a brincadeira?

Um dos momentos mais curiosos de sua carreira foi quando você tornou pública sua incapacidade de acertar as provas de vestibular com interpretação de seus textos. A situação mudou?

Isso. Num vestibular deram uma crônica inteira para os vestibulandos lerem, analisarem e responderem a oito perguntas sobre o que eu havia escrito. Tentei responder. Eu errei as oito e escrevi um carta ao ministro da Educação. As pessoas reclamam que os jovens não leem mais no Brasil. Culpam a televisão, a internet. Mas o problema vem de muito antes da internet e dos joguinhos eletrônicos. Vem de 1967 quando unificaram o vestibular e um "gênio" decidiu que para entrar na faculdade os jovens além de saberem matemática, física, química e biologia, deveriam ler uns dez livros de literatura brasileira e/ou portuguesa. Colocaram a ficção no mesmo nível das matérias citadas. Nada contra elas. Mas nivelou. Depois do vestibular o jovem diz: "Nunca mais vou ler nada disso". Incluindo os Machados, os Eças e outros livros que foram obrigados a ler. Livros que são chatíssimos aos 16 anos. E eles ficam achando que ler é chato, é obrigatório. E os garotos que estão prestando vestibular hoje já são filhos dos que deixaram de ler lá atrás. Isto significa que moram em casas onde não existem livros. Enfim, começam a ler a nossa literatura obrigados! Portanto, já estamos na segunda geração de não leitores.

 

GALERIA DO AUTOR Sesc Carmo.Rua do Carmo, 147, 3111-7000.

Hoje, às 18h30.

Grátis

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