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O poder cínico

Resolvi dar uma folga aos meus 17 leitores. Prometo não citar o nome do Bolsonaro nem que ele nomeie o Queiroz como conselheiro da embaixada brasileira em Washington

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Por Luis Fernando Verissimo
Atualização:

Com um abano para o filósofo alemão Immanuel Kant, esta crônica poderia ter o mesmo título da sua obra mais importante, Crítica da Razão Pura, com uma única mudança: em vez de “razão pura”, “puro cinismo”. Immanuel Kant escreveu sobre os limites do conhecimento humano, sobre física versus metafísica, sobre o saber intuitivo e o saber empírico. Se eu quisesse aproveitar seu título não precisaria ir a esferas tão altas para minha crítica nada filosófica, bastaria ler os jornais do dia.

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Quando o presidente Bolsonaro substitui quatro membros da Comissão da Verdade por quatro membros escolhidos por, notoriamente, não terem o menor interesse em esclarecer os crimes da ditadura, e justifica a mudança porque o governo agora é de direita e a direita, deduz-se, não quer saber de verdade, chegamos a um grau de cinismo destilado, puro cinismo, que deixa para trás todas as suas manifestações anteriores.

A direita tem todo o direito, conquistado nas urnas, de querer mudar a História, esquecer as vítimas da ditadura e os desaparecidos e não falar mais nisso. Só o que se pede ao presidente e aos generais que, cargo a cargo, vão ocupando o poder é que na sua tentativa de apagar o passado de uma vez por todas tenham um pouco de pudor, gente. Ainda tem mães procurando filhos que desapareceram.

Mas eu tinha decidido não praticar mais o que se poderia chamar de jornalismo reativo, que consiste em apenas esperar a última do Bolsonaro e reagir. Como não passa semana sem que ele apronte uma, nunca haveria o risco de faltar assunto, só o risco de encher o saco do leitor. Que teria razão em reclamar: não basta ter o Bolsonaro no Planalto todos os dias, ainda temos que aguentá-lo dominando o noticiário, os comentários, as opiniões, os prós e os contras dos jornais e das revistas, todos os dias e todas as semanas?

Resolvi dar uma folga aos meus 17 leitores. Prometo não citar o nome do Bolsonaro nem que ele nomeie o Queiroz como conselheiro da embaixada brasileira em Washington. Só não sei por quanto tempo vou conseguir me controlar. 

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