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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

O pior dos medos

Tenho muito medo dos boletos na minha mesa. Já tive medo de chefe. Medo de não ter onde morar. Medo de falhar na hora H, quem não tem?

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Por Gilberto Amendola
Atualização:

Eu tive medo do escuro. De monstros escondidos debaixo da cama. Eu tinha medo de um boneco Falcon que ficava no meu quarto. Eu ainda tenho medo dos estalos da geladeira. Eu tinha medo de elevador (de pegar o elevador sozinho). Já tive medo de cachorro. Tenho muito medo de barata. De insetos, eu tenho medo. Eu tive medo no meu primeiro dia de aula. Medo de mostrar minha nota baixa. Medo que abaixassem minhas calças no recreio. Quem não teve medo do fortão? Eu tive medo de ficar esperando minha mãe na porta da escola. Medo de falar em público. Eu tinha medo de injeção. Medo de avião. Eu ainda tenho medo de assalto. Medo de tiro. Continuo tendo medo da polícia. Eu morro de medo de carro. Medo de barco. Eu tive medo da minha primeira namorada. E da última também. Eu tenho medo da velhice. Tenho muito medo dos boletos na minha mesa. Já tive medo de chefe. Medo de não ter onde morar. Medo de falhar na hora H, quem não tem? Medo de perder o emprego. Medo de inflação. Medo de eleição. Às vezes, tenho medo de escrever. Medo de ser mal interpretado. Já tive medo de roda-gigante. Muito medo de câncer. Já tive tantos medos que posso elencá-los, colecioná-los, escalá-los para um casting de um filme de terror.

O que eu nunca imaginei foi esse medo compartilhado. Esse medo que a gente sente quando liga para os nossos pais ou amigos. Esse medo de febre ou de não sentir o cheiro das coisas. O medo que dá de uma gripe ou uma dor de cabeça. O medo que nos faz perder o sono. Esse medo que me acorda de madrugada com a impressão que o ar está faltando. O medo que desliza feito manteiga no pão seco. O medo de ir ao supermercado. O medo de cruzar com alguém no elevador. O medo de não ter leito. Esse medo de UTI. E de palavras como intubação e extubação. Eu tenho medo de não ter vacina. Medo das novas cepas. Medo do presidente. 

Coveiro no cemitério Vila Nova Cachoeirinha, em São Paulo Foto: Amanda Perobelli/Reuters

Eu tenho muitos medos. Mas tenho esperança. Por isso, continuo em pé. Meu amor, fique em casa se puder. Proteja-se. Coloque uma música. Abra aquele vinho. Aproveite que ninguém está vendo para dar uma enlouquecida. Solte os cabelos. Brinque sozinha. Pense em mim. Goze enquanto existir vida.

Sem medo. 

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