PUBLICIDADE

O paraíso da grande arte de Martha Argerich

CD traz concertos da edição do ano passado do Festival de Lugano, com direito a duo com Maria João Pires

Por JOÃO MARCOS COELHO
Atualização:

Feliz o músico que pode realizar seus sonhos artísticos e pessoais. Mais felizes ainda ficamos nós, o público, quando podemos coparticipar das memoráveis performances de uma das instrumentistas mais notáveis da cena musical atual. Carismática, a pianista argentina Martha Argerich faz há doze anos dos Festivais de Lugano o seu paraíso pessoal e artístico. Há muito tempo não aprecia mais apresentar-se só, em recitais. "Fico acuada, não tenho para onde olhar", reclama. Ao tocar com outros músicos, diz, "sinto-os se movimentando em torno de mim; não os olho, mas me movimento espontaneamente".São três as categorias de músicos convidados para Lugano: outros fora de série, como Nelson Freire, Stephen Kovacevich, os irmãos Capuçon; músicos aos quais dá mão forte, com leve favorecimento aos argentinos como Sergio Tiempo, Nelson Goerner ou então ex-alunos como a venezuelana Gabriela Montero; e, mais recentemente, sua família, como a filha Lyda Chen, que toca viola.Há dez anos, sai religiosamente uma caixa com 3 CDs com obras tocadas em Lugano no ano anterior. A de 2012 chega agora às lojas em CD físico e em download (com assustadora diferença de preço). Tem uma ilustre parceria inédita e, como sempre, invejável inventividade de repertório. Pela primeira vez, as duas grandes damas do piano clássico atual tocaram juntas: Martha e Maria João Pires interpretam a quatro mãos a Sonata em Mi Maior, K. 381, de Mozart.Encanta a rara inteligência e o espírito aventureiro de Martha, pinçando obras-primas clássicas e românticas em versões raras, mas não esquecendo a música do século 20 e/ou compositores ignorados. Desta vez, ela se expõe mais. Ótimo. Das treze obras da caixa, ela participa de oito. Além da parceria com a João na sonata, sola o Concerto nº 25 de Mozart. Seu piano parece em estado de graça, mesmo que a orquestra da Suíça Italiana não prime pela sutileza. Seus duos com os irmãos Capuçon estão cada vez mais encorpados. Com o violoncelista Gautier toca as 5 peças em tom popular de Schumann; e com o violinista Renaud relê com entusiasmo e virtuosismo a ambiciosa sonata nº 2 de Prokofiev; encontra em Nicholas Angelich um parceiro talentoso numa de suas peças preferidas, as Variações sobre um Tema de Haydn, de Brahms, a dois pianos; e mergulha em duas dispensáveis stravaganzas do pianismo do século 19: versões para dois pianos a oito mãos de uma sonata e de um rondó do checo Bedrich Smetana. E brinca no extra portenho tradicional de Lugano, o Tanquito Militar, de Mariano Mores.Das obras com outros músicos, três são para piano e cordas: uma de respeito do quarteto com piano opus 87 de Dvorák (entre os integrantes, duas estrelas, o violinista Ilya Gringolts e o violoncelista Torlef Thedéen); outra que vale pela raridade, o robusto quinteto do russo Nikolai Medtner, recebe leitura pouco acima do razoável; e a terceira é familiar, com Mischa Maisky, seus dois filhos e a filha de Martha na única obra camerística de Mahler, o quarteto para piano e cordas em um só movimento. Sobrenomes ilustres às vezes atrapalham, mas neste caso quem sabe os filhotes consigam lugares ao sol.Duas gemas finais. Primeiro, outra stravaganza pianística, que no entanto funciona: uma versão para três pianos feita por Carlo Griguoli de La Mer, de Debussy. E a surpresa da caixa, a leitura apaixonante dos pianistas Nelson Goerner e Rusudan Alavidze no Tema e Variações Opus 58, de Giuseppe Martucci, um italiano que teimou em fazer música instrumental à germânica num país que respirava ópera. Treze minutos de pura magia: o tema plácido vai se encorpando a cada recriação, até chegar, na variação 8, a um delicioso adagio "alla Chopin" antes de explodir numa incendiária coda final, escreve com razão David Threasher no encarte.MARTHA ARGERICHNO EVENTO SUÍÇO, PIANISTA ARGENTINA REÚNE AMIGOS E FAMILIARES MÚSICOS MARTHA & FRIENDSEMI, US$ 12 (download) ou R$ 100 (CD)

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.