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O pai da reinvenção

Por Lauro Lisboa Garcia
Atualização:

Alguém já disse que Tom Zé é duas vezes mais inovador (e bem-humorado) do que a maioria dos artistas brasileiros com menos da metade de seus 73 anos. O Pirulito da Ciência (Biscoito Fino), DVD e CD que ele lança com shows no Sesc Pompeia neste fim de semana, é uma boa síntese de sua criação. E se certa vez um crítico da revista Rolling Stone (e não do New York Times, como foi publicado recentemente neste caderno) o chamou de "pai da invenção", já passou da hora de atualizar, porque Tom Zé tem uma tremenda capacidade de reinvenção. O público de seus shows, por conta disso, tem cada vez mais jovens que se identificam com suas atitudes, ao mesmo tempo em que mergulham na história do mais inquieto dos tropicalistas. "Só tenho uma explicação, que não gasta ter vaidade, nem humildade, não gasta nada: logo cedo percebi minha incapacidade de trabalhar naquilo que hoje se chama mainstream, na coisa tradicional, bem feita, bonita", diz Tom. "Aí me dirigi para um extremo onde você está quase no ridículo e às vezes até no razoável. Então trabalho ali entre o som e o ruído, e no começo ninguém dizia que o que eu fazia era música. Era apenas alguma coisa que se escutava. Só passou a ser chamada de música quando fiz aquela experiência radicalmente suicida. Foi quando fui participar do programa Escada para o Sucesso e fiz uma música chamada Rampa para o Fracasso", lembra.Ele se refere a sua produção como uma espécie de "jornalismo cantado". Na entrevista registrada para o DVD, diz: "Pratico observar a sociedade quando ela baixa a guarda por descuido, fotografar rapidamente, falando metaforicamente, e depois tentar descrever aquilo que ficou desnudado, aquilo que ela não pode confessar. Isso não pode ser chamado de música de protesto, isso é música que pode aumentar a capacidade de discernimento da plateia, mas música de protesto não." Na montagem, a fala está entre as canções Companheiro Bush e Classe Operária, ambas de tom irônico.Charles Gavin - compositor, produtor, pesquisador e ex-baterista dos Titãs - o produziu e o dirigiu no show gravado em agosto de 2009 no Teatro Fecap, em São Paulo, traçando uma significativa linha do tempo da sinuosa carreira do baiano de Irará, ou como prefere o próprio compositor, "uma espinha dorsal" de sua produção. Como deveria ser para um documento histórico, o show é longo, tem 24 músicas no DVD e 16 no CD (com algumas variantes entre um e outro), mas ele diz que não vai repetir a dose agora. Fará uma seleção dentro desse repertório, que tem raridades como Menina Jesus, Brigitte Bardot e Jimmi Renda-se e outras mais conhecidas, como Augusta, Angélica e Consolação, Defeito 3: Politicar, Ogodô, Ano 2000 e Menina, Amanhã de Manhã. Sobre esta - feita na época da ditadura ironizar a "felicidade" que os militares impingiam ao País - para e outras ele fala no palco ou na entrevista feita em seu escritório, dando boas pistas da origem de suas letras e seu estilo. "Quebrei o DNA do folclore e coloquei peças que eram semelhantes, mas eram do mundo vivo, do mundo presente", diz, exemplificando com Lavagem da Igreja de Irará, que canta ao violão.Tom se lembra do ingresso na música ainda no sertão baiano, fala do terror na Bahia e de sua prisão em São Paulo (cidade que ele adotou) pela repressão em 1972, da volta à Bahia quando estudou música pra valer, da influência da leitura de Os Sertões, de Euclides da Cunha. Outro momento de reviravolta é o já famoso episódio da "descoberta" do disco Estudando o Samba por David Byrne, que o tirou do ostracismo em 1985. O show é uma catarse lúdica em que ele esmerilha política, religião, amor e rock.Frases"Logo cedo percebi minha incapacidade de trabalhar no mainstream, aí me dirigi para um extremo onde você está quase no ridículo e às vezes até no razoável, entre o som e o ruído.""Quebrei o DNA do folclore e coloquei peças que eram semelhantes, mas eram do mundo vivo, do mundo presente."TOM ZÉSesc Pompeia. Teatro (358 lugares). Rua Clélia, 93, telefone: 3871-7700. Hoje e amanhã, 21 h; dom., 18 h. R$ 20

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