O ocaso de uma cultura

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Por Antonio Gonçalves Filho - O Estado de S.Paulo
Atualização:

A pergunta feita pelo historiador escocês Niall Ferguson logo no prefácio de seu livro Civilização - testemunhamos a derrocada do Ocidente? - é respondida por ele mesmo ao afirmar que “estamos vivenciando o fim do mundo ocidental e o advento de uma nova época oriental”. Ele teve esse insight há três anos durante um concerto da chinesa Angel Lam no Carnegie Hall. Hipnotizado por suas composições sensuais, Ferguson concluiu que Lam personifica a orientalização da música clássica (ela combina instrumentos tradicionais chineses e tonalidades ocidentais). Lam, de fato, é a nova queridinha da crítica americana e já domina a cena erudita com a ajuda de parceiros também orientais como o violoncelista Yo-Yo Ma, norte-americano de origem chinesa nascido em Paris. Multiculturalismo é isso. Em Colosso - Ascensão e Queda do Império Americano (de 2004, lançado pela Planeta), Ferguson já dizia que os EUA confiaram tanto no capital do leste asiático para financiar suas contas fiscais que seu declínio não seria consequência de atos terroristas, “e sim de uma crise financeira do próprio império”. Em matéria de economia, seria difícil discutir com o historiador, autor do livro A Ascensão do Dinheiro - A História Financeira do Mundo (Planeta), lançado em 2008, quando o mundo enfrentou sua pior crise - fruto, segundo Ferguson, da globalização das instituições financeiras surgidas no Ocidente. Se ele desfrutou de vantagens reais e contínuas sobre o Oriente nos cinco séculos seguintes a Vasco da Gama, agora está na hora de pagar a conta aos asiáticos. Civilização é um livro ambicioso - e o próprio autor reconhece que cobrir 600 anos de história mundial é demais. Ferguson convida o leitor a imaginar a China no século 15 e comparar a boa qualidade de vida das civilizações oridentais com uma Europa devastada pela peste negra e assolada por péssimas condições sanitárias. A noção de que o Ocidente poderia dominar o mundo nos 500 anos seguintes seria absolutamente fantasiosa diante dessa comparação, defende Ferguson. Mas foi o que aconteceu. Hoje, lembra o historiador, “a população das sociedades ocidentais representa uma minoria dos habitantes do mundo e está visivelmente definhando”. Em 20 anos, conclui, as economias dos EUA e Europa serão superadas pela chinesa. O poderio econômico e militar do Ocidente, observa Ferguson, se desgastou no Iraque e Afeganistão. E o que fazem os governos do mundo todo? Estimulam o consumo e gastam mais do que podem. A civilização ocidental, acrescenta, estaria perdendo a confiança em si mesma. Sintoma disso é que as universidades deixaram de ensinar as grandes narrativas de ascensão ocidental para estudar o Oriente.

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