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O menino e o passarinho

– Você já viu alguma coisa mais linda do que uma revoada de pássaros ao anoitecer?

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Por Luis Fernando Verissimo
Atualização:

Se essa história é difícil de acreditar é porque ela se passa na terra do Faz de Conta, onde passarinho fala. Foi o que o menino descobriu, quando ouviu o passarinho dizer – por nenhuma razão, só para implicar com ele: – Passarinho é melhor do que gente. Depois de se recuperar do susto, o menino perguntou: – Como assim? – Para começar – disse o passarinho – nós somos mais bonitos. Olhe essa plumagem. Olhe essa combinação de cores em dégradé.  – Nos também somos bonitos – disse o menino. – São nada. – Olhe essa camisa cor de abóbora. Essas calças roxas... – Que sua mãe comprou para você. A minha beleza nasceu comigo. Eu sou bonito de graça! Enquanto o menino pensava numa resposta, o passarinho continuou: – Vocês sabem voar? Nós sabemos. – Nós também sabemos. – Sabem nada. – Temos aviões que nos levam para qualquer lugar. Atravessamos oceanos. Chegamos mais alto do que qualquer passarinho chegou. Já chegamos à Lua! – Para voar em avião precisa comprar passagem. Entrar na fila do check-in. Despachar a bagagem, que pode se extraviar. E para ir mais longe do que qualquer passarinho já foi, precisam de foguetes e programas espaciais caros. Nós, para voar, só precisamos abrir as asas. – Sim, certo, mas... – Você já viu alguma coisa mais linda do que uma revoada de pássaros ao anoitecer? Não existe espetáculo sequer parecido, na Terra. O menino pensou num desfile de escola de samba, mas decidiu não dizer nada. O passarinho tinha claramente vencido a discussão. Faltava só um golpe de misericórdia, para liquidar com o menino. – E além de tudo, eu canto – disse o passarinho  – Eu também – disse o menino. – Canta nada. Ouça.  E o passarinho começou a assoviar. Uma única frase, várias vezes. E o menino pediu: – Canta outra. – Como, outra? Esse é o meu canto. E o menino começou a assoviar todas as músicas que conhecia, de Jorge Ben Jor à Marselhesa. E o passarinho se afastou, lentamente, cabisbaixo, derrotado, e pensando: – É, preciso variar meu repertório... 

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