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O mal do mundo

Repressão e crise financeira, temas que abrem esta edição

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Agora é para valer. Após o início retumbante com os irmãos Coen, para garantir a exposição na mídia - mesmo que não seja um remake, Bravura Indômita perde em tudo para o western que Henry Hathaway realizou em 1969, baseado no mesmo livro de Charles Portis -, a Berlinale põe em campo os filmes que competem ao Urso de Ouro. Os dois primeiros foram preocupantes, senão exatamente do estado do cinema pelo estado do mundo. Margin Call, de J.C. Chandor, retoma a discussão sobre a crise financeira de 2008; The Prize, de Paula Marcovitch, reabre velhas feridas das ditaduras que ensanguentaram o Cone Sul nos anos 1960/70, no caso, a argentina.Margin Call passa-se em boa parte nas instalações de uma corporação em Wall Street. Logo na abertura, funcionários são demitidos, inclusive o interpretado por Stanley Tucci, que, nos últimos tempos, se especializou em roubar as cenas dos filmes de que participa. Tucci é mandado embora e, sem ligar para os seus 18 anos de bons serviços à casa - uma empresa de investimentos -, seus antigos superiores grudam nele um segurança. Tucci trabalha em algo secreto. Entrega um disquete a Zachary Quinto, da série Heroes, e adverte: "Tenha cuidado".Há uma bomba ali dentro - a empresa tem mexido com os fundos de investidores, colocado dinheiro em operações arriscadas e tudo foi para o ralo. O alto conselho de direção estuda o que fazer, isso é, como liquidar a empresa salvando não apenas as aparências. Sabe aquela velha história - entregar os anéis para salvar os dedos? Não vale. O megadiretor Jeremy Irons quer os dedos e os anéis. Alguém vai ter de pagar pelo prejuízo. Você acompanhou a débâcle do sistema financeiro no fim de 2008. Uma pá de dinheiro dos contribuintes americanos foi depositada em contas particulares sob a justificativa de salvar o "sistema".Um documentário de George Ferguson está indicado para o Oscar da categoria - Trabalho Interno (Inside Job) - justamente por explicar a crise. Chandor ficcionaliza. O aspecto mais interessante do filme é que ninguém se preocupa com as pessoas. O mundo está desmoronando e Kevin Spacey chora, mas é por seu cachorro, que está morrendo. Bem-vindo ao assustador novo mundo das finanças. O personagem de Jeremy Irons enumera as crises que têm rolado desde que existe o capitalismo. "Dinheiro é só papel", o personagem afirma. O ator, na coletiva, acha que não é tão simples. "O problema é de ética, mas ela costuma ser sacrificada em nome do desenvolvimento econômico. Sem ética, sem transparência, continuarão havendo crises." O diretor Chandor diz que seu filme pode ser, e provavelmente será, visto como um thriller. Para ele. É uma tragédia.Paula Markovitch também narra o que não deixa de ser outra tragédia, a da repressão. Pouco é dito, mas fica claro que essa mãe e essa filha estão fugindo da repressão do regime militar. O ano é 1976, o cenário, uma praia em ressaca, em pleno inverno. O pai não dá notícias. A menina pergunta, sem parar, o que é pessimismo, palavra que captou da última mensagem por ele enviada. A menina vai à escola. Há um incidente banal, a professora incentiva as crianças a delatar quem foi.A escola militarizada? Um militar aparece e propõe um concurso - o que as crianças pensam da pátria e do Exército? A garota põe no papel tudo o que ouviu a mãe e o pai dizerem em casa. O espectador pressupõe que a professora, de posse da redação, vai tomar "providências". Não é exatamente o que ocorre, mas mãe e filha ficam a um passo da desintegração definitiva. A diretora dedica seu filme aos pais, ex-guerrilheiros na Argentina (a produção é mexicana). Nenhum dos dois filmes é bom, de verdade, mas The Prize, O Prêmio, fica como uma espécie de reserva - moral, mais do que estética - à qual o júri poderá recorrer. Berlim, você sabe, adora política.

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