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O lirismo tirado das ruas

Retrospectiva de Helen Levitt no PhotoEspaña revela sua longa poética

Por Camila Molina e MADRI
Atualização:

Lirismo. Olhar da artista sempre se voltou para as pessoas de Nova York, principalmente as crianças.

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      A norte-americana Helen Levitt (1913-2009) nasceu no Brooklyn, em Nova York, mas foi em outro bairro da cidade, no Bronx, onde começou a fotografar, ainda na década de 1930. Desde então, pôs-se a registrar com sua câmera o cotidiano das ruas, elegendo principalmente as crianças como uma espécie de mote intuitivo para retratar o dia a dia dos desfavorecidos, das classes sociais mais baixas. Sua fotografia reside no campo documental, mas, como reforça o crítico e curador espanhol Jorge Ribalta, as imagens de Helen nascem sempre da tensão entre a realidade e o lirismo.

"O trabalho de Helen Levitt pode ser denominado antijornalismo", assinalou, em 1969, outro grande fotógrafo (e grande amigo da artista), o americano Walker Evans (1903-1975). É que a poética de Helen tem algo de discreto e doce, mesmo que indique - dos anos 1930 até os 90 - não haver, na verdade, nenhum paraíso à vista.

Helen Levitt desenvolveu uma obra que perpassa várias décadas do século 20, fazendo-a se inscrever, portanto, como fotógrafa "canônica" da modernidade. Sendo assim, a retrospectiva Helen Levitt - Lírica Urbana, inaugurada hoje (dia 10) para o público no Museo Colecciones ICO de Madri torna-se um dos grandes destaques do PhotoEspaña 2010, festival espanhol de fotografia que promove não apenas na capital espanhola, como nas cidades de Cuenca e Lisboa (Portugal), 69 atrações (entre mostras oficiais, projetos convidados e programação paralela). A exposição da americana, em cartaz em Madri até 29 de agosto - depois seguirá para a França -, reúne cerca de 120 imagens, realizadas por Helen entre 1936 e 1993. A curadoria é de Jorge Ribalta, baseado em Barcelona.

Jogos infantis. A força da retrospectiva, em percurso cronológico, está mesmo nas primeiras salas, dedicadas à produção de Helen das décadas de 1930 e 40 em Nova York. Com a câmera Leica - pequena, discreta e fácil de levar -, a partir de influência de Cartier-Bresson, a fotógrafa passeava pela cidade a fim de registrar "os mistérios da vida" nos bairros populares, estudar "o comportamento" das pessoas nas ruas. Curioso é ver que na maioria dessas imagens, sempre em preto e branco, aparecem crianças. "Ela tinha interesse pelo lirismo do movimento, pelos jogos infantis", diz Ribalta ao Estado. "Mas as crianças são também, por excelência, o emblema dos mais frágeis do mundo social." É nos anos 30 que surge uma ideia de documento fotográfico - tanto nos EUA da crise econômica e New Deal da era Roosevelt, quanto numa Europa entre guerras -, uma "ética documental", ele arremata.

Num dos retratos da fotógrafa, crianças negras e brancas brincam; em outro, um menino levanta a saia de uma das meninas. Helen também fotografa, da mesma maneira, os desenhos e frases que esses meninos fazem nos muros das ruas, remetendo aos signos o status de grafites ingênuos. Entretanto, de fundo e inevitável, está sempre uma pobreza, retratada sem piedade, como parte natural daquelas vidas.

O olhar sobre essa condição humana continua mais adiante na mostra, quando vemos que em 1941 Helen foi ao México e realizou rara série sobre o país. Há nesse conjunto uma diferença com os retratos dos EUA: a aridez das cidades de ruas de terra latino-americanas passam a imagem de uma pobreza ainda mais crua.

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Lacuna. Em 1943, Helen fez sua primeira exposição no Museu de Arte Moderna de Nova York, mas, na década de 1950, parou de fotografar. Não deixou escritos sobre sua decisão, entretanto, Ribalta arrisca dizer que pode ter sido a falta de mercado para seu trabalho e ainda a suposição de que ela não se identificasse com a linha documental pasmaceira que tinha como ícone a revista Life (de exaltação do modo de vida americano na Guerra Fria). Só a partir de 1958 ela retornou à fotografia realizando também obras coloridas. Elas giram em torno da "lírica urbana", mas, em cores, suas imagens ganham a inerência de uma superficialidade. A poética de Helen Levitt tem mais impacto em preto e branco.

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