O legado de Givenchy, o último cavalheiro da moda francesa

Sinônimo do chique parisiense deixa um legado de moda que une imponência a modernidade

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Por Maria Rita Alonso
Atualização:
O lendário Givenchy morreu aos 91 anos Foto: EFE/ Kiki Huesca

O aristocrático Hubert de Givenchy deslanchava na carreira solo de estilista, aos 26 anos, quando conheceu a atriz Audrey Hepburn. Nasciam ali, em 1953, alguns dos símbolos da elegância francesa para a moda contemporânea. Blusas que não marcavam o corpo, calças curtas, mangas casulo, golas rulês e longos magníficos de alta-costura, todos modelados arquitetonicamente sem nenhum excesso ou detalhe exagerado. “Givenchy era simplesmente a encarnação do chique”, lamentou Emmanuelle Alt, editora-chefe da Vogue Paris, ao saber da morte do estilista francês, que ocorreu no último sábado, 10, mas foi notificada apenas ontem para a imprensa. Ao longo de quase 50 anos de carreira, o estilista construiu uma das maiores grifes da indústria da moda, brilhando à frente da marca que leva o seu nome até decidir vendê-la, em 1988, para o conglomerado de luxo LVMH Moët Hennessy Louis Vuitton. A aposentadoria veio anos depois, em 1995, e hoje a maison é comandada pela estilista Clare Waight Keller, obedecendo o espírito classudo do fundador, baseado na imponência do preto e do branco, das golas altas sofisticadas, dos decotes bem pensados e dos ternos de lã femininos costurados com requinte. Dono de um olhar artístico, Givenchy foi assistente de Cristóbal Balenciaga por quatro anos, antes de iniciar sua marca própria e conquistar uma lista de clientes bem-nascidas, poderosas e famosas como Grace Kelly, Elizabeth Taylor e Jackie Kennedy. “Balenciaga era muito religioso e fascinado pela indumentária do clero. Por isso ele desenvolveu roupas costuradas longe do corpo, de maneira majestosa e arquitetônica. E foi a partir dessa herança criativa que Givenchy se desenvolveu”, lembra a consultora de moda Costanza Pascolato.  De fato, Givenchy declarou diversas vezes que devia tudo o que sabia a Balenciaga. Quando começou a atuar, porém, apostou no estilo de vida da mulher emancipada, trazendo frescor à moda então dominada pelos vestidos rodados de Christian Dior. Lançou conjuntos de tailleur intercambiáveis, com peças avulsas que podiam ser coordenadas entre si com despojamento e modernidade. Givenchy pensou o figurino para uma mulher jovem, prática, que andava na garupa da lambreta do namorado e bebia coquetéis nas mesas dos cafés em Saint Germain”, descreve o jornalista de moda Mario Mendes. “Ele modernizou a alta-costura no pós-guerra.”  Essa moda descomplicada e versátil seduziu de pronto a jovem Audrey Hepburn, que buscava um estilista para desenhar os figurinos do filme Sabrina. Aos 22 anos, ela exibia o phisic du rôle perfeito: era magra e movimentava-se com extrema delicadeza, abrindo sempre um sorriso radiante. Ele acabou criando o guarda-roupa dela para o filme e para outros sete papéis que ela fez na sequência, incluindo Bonequinha de Luxo e Cinderela em Paris. Assim como vestiu a atriz para os tapetes vermelhos e a vida real. Audrey virou então um dos maiores ícones de estilo de Hollywood, assumindo a imagem dos sonhos de Givenchy. “Foi Hubert de Givenchy que me deu um estilo, uma silhueta. Vestida por ele, não tenho medo de nada”, chegou a declarar a atriz.  Alguns dos looks mais emblemáticos da história do cinema, portanto, surgiram dessa cumplicidade entre o criador e a sua musa inspiradora. O inesquecível longo preto de Bonequinha de Luxo, por exemplo, foi leiloado pela Christie’s, em 2006, arrecadando nada menos do que £ 467.200, doadas em seguida por Givenchy para instituições de caridade. Pouco antes de morrer de câncer de cólon, em 1993, a atriz deu ao estilista mais 25 vestidos que ele havia feito para ela. Alguns deles, Givenchy repassou para museus de moda ao redor do mundo, nos últimos anos. Considerado símbolo da época áurea da alta-costura, o estilista criou ainda o guarda-roupa para a visita de Estado de Jackie Kennedy à França, em 1961, quando ela conquistou a Europa, e em seguida desenhou um vestido rosa usado pela primeira-dama no Natal de 1962, na Casa Branca. Também atendeu a rainha Elizabeth II e outras mulheres da nobreza.  Nascido em Beauvais, França, em 1927, o estilista era o filho mais novo de Béatrice e Lucien Taffin de Givenchy, o marquês de Givenchy. Seu fascínio pela moda veio por intermédio de sua avó, que o presenteava sempre com lãs puras para ternos como recompensa de suas boas notas na escola. Não à toa, Givenchy costumava dizer que a escolha dos tecidos era sua parte favorita no processo de criação. “Tenho uma grande responsabilidade com costureiras, tecelãs e fabricantes de botões que dependem dos desfiles de alta-costura para sobreviver”, declarou. Aos 17 anos, Givenchy mudou-se para Paris para estudar na École Nationale Supérieure des Beaux-Arts, onde conheceu Pierre Balmain, com quem chegou a trabalhar. Nos anos 1950, foi precursor na criação da coleção do prêt-à-porter de luxo, ajudando a desenhar a engrenagem da indústria da moda atual. Chegou a vir ao Brasil duas vezes, e, nos anos 1980, convidou Costanza Pascolato para almoçar em sua casa em Paris. “Ele estava pensando em investir no mercado brasileiro e queria entender mais sobre nós”, conta ela. Na época, o estilista já era uma grande colecionador de arte e mobílias antigas. “Givenchy era um homem muito fino, o almoço foi impecável, como tudo o que ele fazia.” 

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