
15 de março de 2011 | 00h00
Questionado pelo Estado sobre a demora no lançamento de seu próprio romance, Martel, no entanto, credita a longa pausa a outro motivo: a dificuldade do tema, uma tentativa de reconstruir, de forma alegórica, o horror dos campos de concentração nazistas durante a 2.ª Guerra.
"O sucesso de A Vida de Pi me manteve ocupado por uns dois anos. E você não pode escrever sobre o Holocausto sem saber o que está falando. Li muito, vi filmes, documentários, viajei para Polônia e Israel, escrevi e reescrevi muita coisa. Não é fácil tomar um evento monstruoso como esse e tentar descrevê-lo de forma diferente", argumenta.
A tal forma diferente é justamente a proposta com a qual Henry, seu personagem, não consegue convencer editores - um misto de um romance protagonizado por animais e textos ensaísticos sobre o genocídio, no qual um e outros se confundem. Na trama, durante o bloqueio criativo (período no qual arruma um emprego como garçom), Henry conhece um taxidermista que, no intervalo entre o seu trabalho de empalhar animais, encontra tempo para escrever (o que, na verdade, já faz há algumas décadas) uma peça protagonizada por uma mula, Beatriz, e um macaco, Virgílio. Quando se dá conta, o escritor está imerso na história com a qual não queria se envolver. E que passa a tomar proporções inesperadas.
"Existem muitos relatos factuais do que aconteceu com os judeus da Europa nas mãos dos nazistas e seus muitos colaboradores voluntários", afirma o escritor, destacando os testemunhos de Elie Wiesel e Primo Levi como essenciais, "mas não podemos simplesmente parar nisso, a contar com base em fatos. Minha hipótese artística é a de que só podemos compreender verdadeiramente um evento quando podemos aplicar metáforas a ele."
A volta ao universo animal, central também em A Vida de Pi, ele explica, decorre da percepção da riqueza de significados que proporciona. "Poucos autores de ficção adulta recorrem a animais. O resultado não é só uma ausência cada vez maior de animais no nosso mundo real, mas também imaginário. Só autores da literatura infantil fazer muito uso de animais. É uma pena. Eu não sei o que há de infantil sobre um tigre ou um elefante."
BEATRIZ & VIRGÍLIO
Autor: Yann Martel
Tradução: Maria Helena Rouanet
Editora: Nova Fronteira
(200 páginas, R$ 34,90)
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