O homem por trás da obra

Sobretudo de Proust, livro de Lorenza Foschini, explora a 'força evocativa' dos objetos

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Por LEDA TENÓRIO DA MOTTA É PROFESSORA DA PUC-SP e AUTORA DE PROUST - A VIOLÊNCIA SUTIL DO RISO (PERSPECTIVA)
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SOBRETUDO DE PROUST: HISTÓRIA DE UMA OBSESSÃO LITERÁRIAAutor: Lorenza Foschini Editora: Rocco(112 págs., R$ 21,50)LEDA TENÓRIO DA MOTTAS em dúvida, há escritores que têm o physique du role - a cara da função - e muitas vezes essa espécie de contraprova material da vida do espírito se estampa nas roupas. Só as pessoas superficiais desprezam as aparências, dizia Oscar Wilde. Assim, por exemplo, sabemos pelos biógrafos de Proust que ele recebia as visitas sentado na cama, de robe de chambre e luvas, tendo sobre os joelhos seu casaco de lã, do qual não se separava. O crítico Michel Tournier escreveu belas páginas sobre o impacto que esse modo de ser causou em André Gide, outro extravagante cujas vestes e atitudes não deixavam dúvidas sobre o que fazia na vida. E Roland Barthes evocou tudo isso em suas aulas sobre os bastidores vivos da criação.Aparentemente, é a essa tradição de cultores do homem por trás da obra que passa a pertencer a jornalista cultural italiana Lorenza Foschini, quando, neste seu pequeno livro vem nos dizer, a propósito daquele mesmo casaco proustiano que, sim, "um velho sobretudo puído pode revelar cenários de inusitada paixão". O que descobriu e anuncia agora ao mundo é que foi Jacques Guérin, rico industrial do setor de perfumes, colecionador e bibliófilo da belle époque, quem, tendo entrado na vida dos Proust, por mero acaso - ao tornar-se cliente do médico Robert Proust, irmão de Marcel -, o dissuadiu de continuar queimando os despojos da ovelha negra da família, e arrematou o que podia. Guérin só venderia seu relicário pouco antes de morrer, e assim é que tudo foi parar num leilão e no Museu Carnavalet, onde se encontra hoje. É tudo interessantíssimo. E não é. A autora constrói uma espécie de suspense pós-moderno, adiando eternamente a revelação do exato encadeamento dos fatos que termina por nos levar, no epílogo, ao fetiche em questão. Vendo-a vibrar com seu achado, com que se deixou orgulhosamente fotografar, não podemos varrer da mente a impressão estraga-festa de que a obsessão de que fala não é assim tão literária. Em matéria de obsessão marcelista, a Itália já teve coisa melhor a nos oferecer: o livro L'Angelo de la Notte, do crítico e escritor Giovanni Macchia, publicado no início dos anos 1990, pós-queda do romance proustiano no domínio público. É sobre as drogas medicamentosas que insuflam a recordação alucinatória no ciclo Em Busca do Tempo Perdido.

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