EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Coluna quinzenal do escritor Ignácio de Loyola Brandão com crônicas e memórias

Opinião|O Frevo não morreu, mudou de lado

PUBLICIDADE

Atualização:

Quando a Lanchonete da Cidade foi inaugurada, você podia ler no cardápio uma recomendação que espantava: se quiser um bom Beirute, o melhor de São Paulo, dirija-se ao Frevo, na Rua Oscar Freire, esquina com a Augusta. Como? Uma casa fazendo propaganda do concorrente? Isso mesmo, a elegância ainda existe no comércio. Isto mostrou como o Frevo acabou se tornando uma instituição nesta São Paulo, onde bares, restaurante, boates abrem, fazem sucesso e desparecem em meses ou poucos anos, com raríssimas exceções. O Frevo faz parte da cultura paulistana. Se fosse verdade que a sexta-feira 13 dá azar, o Frevo teria fechado as portas na primeira semana de vida. Não só não fechou como viveu e permanece saudável após 59 anos, beirando os 60. Inaugurado no dia 13 de abril de 1956, ano bissexto, o Frevo pegou e não largou.  Alguns anos atrás, os “frevistas”, ou seja os frequentadores habituais tremeram. Houve quem tenha chorado, imprensa noticiou. Uma incorporadora estava despejando a lanchonete para construir ali um edifício. Reportagens por toda a parte, protestos, gritos. Sei lá como, mas o Frevo conseguiu resistir e persistir. Agora, não. A coisa é definitiva. O Frevo sai de sua toca e muda. Antes que choremos todos, o Roberto Frizzo, que comanda o lugar, criado pelo pai dele, está avisando. Muda de um lado da rua Oscar Freire para o outro. Uma loja, parece que era joalheria ou de sapatos finos, fechou e o Frizzo correu, ali se instalou. O novo Frevo está reformado, modernizado, atualizado? Não. Está exatamente como estava no dia da inauguração. Um primor, na gíria daquele tempo. Porque ele não envelheceu. O clássico permanece.  Gerações e gerações frequentaram e frequentam. Parodiando o Caetano Veloso, digo: “Nas mesas e balcão do frevo só não senta quem já morreu.” Fui quando cheguei a São Paulo em 1957, continuei frequentando, levei meus filhos, levo meus netos. Até hoje, Pedro, Lucas e Felipe tentam devorar o sorvete Capricho sem derramar a farofa, acreditando na lenda que diz que quem não derrama a farofa ganha outro Capricho de graça. Histórias correm de que a Babara Gancia, radialista, cronista, que diz o que quer e o que gostamos de ouvir - de quem sou fã - foi uma das vencedoras. Vejam como Caetano foi profético e sua letra se ajustou: “Quem já botou pra rachar/Aprendeu, que é do outro lado/ Do lado de lá do lado/ Que é lá do lado de lá”. Assim, nos tranquilizemos, o Frevo agora está lá do lado de lá. Mais do que isso, ligado a história de São Paulo, já que, por meio século, ele viu tudo acontecer. Ele está visceralmente integrado a uma das ruas mais mitificadas da cidade, a Augusta, que sempre foi termômetro das transformações e mudanças comportamentais paulistanas desde a década de 50. O Frevo faz parte do imaginário gastronômico da cidade. Ele foi testemunha da várias épocas, do rock’roll dos anos 50, ao twist, hully-gullly, letkiss e chá-chá dos anos 60, conheceu a bossa nova e a Jovem Guarda, passou pelo Tropicalismo, pelo Cinema Novo. Ali comeram e beberam Lennie Dale, Raul Cortez, os Dizzy Croquetes, Dina Sfat e Paulo José, quando ainda namoravam e eram atores do teatro de Arena, Dener, Mila Moreira, Bruna Lombardi, Ayrton Senna, Eva Wilma, Baby Pignatary, Ermelino Matarazzo, a atriz Etty Frazer, do teatro Oficina, o ator Cláudio Marzo pouco depois da estréia da peça Andorra, um de seus sucessos no oficina. Juca Chaves foi intimamente ligado ao Frevo e a Augusta. Ele conta: Na “Augusta freqüentada pelos meninos maus das famílias boas acompanhados das boas meninas das famílias más, fazíamos “rachas”, atravessando a Avenida Paulista. O ponto de encontro era o Frevo. Eu ia com meu primeiro Jaguar, o XK 120, verde claro, forrado - capota e bancos - com pele de onça. Por ser um carro esporte de dois lugares, só cabiam duas garotas... Não fiquei com nenhuma das duas, me abandonaram. Uma me trocou por um cara com um “Fordão” e a outra se apaixonou pelo meu freio de mão. Com o Jaguar participei de várias “roleta-paulista”, que era a corrida pela Augusta em que se atravessava a Paulista direto sem parar no farol. Mas tudo isso se esquecia quando voltávamos ao Frevo para tomar uma Vaca Preta - Coca-cola com sorvete. O bom do Frevo é que nunca mudou, mantém a mesma decoração. Quando estive lá recentemente, o garçom me perguntou se eu queria o mesmo beirute daquele tempo. Respondi: prefiro um feito agora!” Se chegar e não encontrar a lanchonete, olhe para o outro lado da rua. 

Opinião por Ignácio de Loyola Brandão
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.