O fim da novela que discutiu a fama

Com quase 38 milhões de telespectadores por dia, ?Celebridade? termina hoje com menos interesse no mistério policial do que no destino de seus inúmeros alpinistas sociais, que podem ser castigados

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Por Agencia Estado
Atualização:

Fama sem talento tem perna curta. Não leva a lugar algum. Esse esqueleto de uma moral, anunciado pelo autor de Celebridade (a novela das oito que termina hoje na Globo), Gilberto Braga, é bastante questionável. Ele mesmo mostrou, durante a novela, que trocar uma experiente produtora de shows por uma franco-atiradora era apenas uma questão de vontade ou de oportunidade. A golpista Laura (Cláudia Abreu), até certa altura, foi competente administrando o espólio de Maria Clara Diniz (Malu Mader). Em Celebridade, Gilberto Braga parece ter involuído bastante desde sua novela de maior sucesso, Vale Tudo. Lá, ele deixava que os oportunistas fugissem no final, escapando à Justiça. Agora, ele achou que a realidade brasileira mudou um bocado desde então, e resolveu puni-los (os oportunistas) no baixar das cortinas. Braga está equivocado. A realidade não só não mudou, como criou artimanhas tecnológicas para que o MST (Movimento dos Sem Talento) vença sem fazer força. Britney Spears finge que canta, e finge que voa, e finge que tem aqueles peitos maiores que o seu quadril, e ninguém quer nem saber. Nos tempos de Vale Tudo, a dupla norte-americana Milli Vanilli foi execrada em praça pública quando descobriram que os dois faziam tudo, menos cantar (era tudo montado em estúdio). Hoje, na era dos produtores, seriam ovacionados pelo bom trabalho. Nos dias atuais, basta samplear Jorge Benjor para o sujeito ser considerado genial. Chacrinha tinha de balançar muito a pança e buzinar seguidamente a moça para emplacar. Hoje, Luciano Huck vinga com helicópteros, lanchas, animações computadorizadas, reality shows cascateiros, um Havaí sintético numa praia sem vendedor de queijo quente nem trombadinha. Gilberto Braga parodiou um certo conceito de "talento" e o mundo dos social climbers (alpinistas sociais) em sua novela. No capítulo de segunda-feira, Maria Clara Diniz levou seu currículo para Cristiano (Alexandre Borges), com o qual pleiteava um cargo de diretora de um canal de TV. O currículo, em forma de DVD, começou a jorrar imagens da produtora fazendo caras e bocas. Parecia, na realidade, uma postulante ao concurso de Garota do Fantástico. Sarcástico, Braga espalhou pela novela os signos do sucesso hedonista: o torso eternamente nu do Henri Castelli, o strip-tease em horário nobre de Juliana Paes (que teve o biquíni roubado na praia por trombadões, numa armação de Nelito, interpretado por Taumaturgo Ferreira), o bombeiro de mangueira em riste na revista masculina. Mais importante: Braga deu voz às "cachorras", tirou-as do exílio no arcabouço da sexualidade pagodeira do Andaraí. Empurrou goela adentro da moda ditatorial da SPFW a calça jeans stretch de Eliete (Isabela Garcia), com os pneuzinhos descendo pelas ladeiras do cós. A produtora Fabiana (Joana Limaverde) aplica sem cerimônia os ensinamentos da funkeira Tati Quebra-Barraco: "Se não cuidar do seu marido/ Vai rolar a cachorrada." O autor também mostrou requintado sarcasmo ao vingar a patuléia com requintes de crueldade, obrigando o vilão escanhoado e louro Renato (Fábio Assunção) a andar de Passat II, daqueles que não tinham injeção eletrônica e não pegavam de manhã. Mas, moralista no final, Gilberto Braga pune justamente a turma mais engajada no Movimento dos Sem Talento. Injustiça. É gente que teria lugar garantido na TV brasileira. Mesmo as groupies Darlene (Deborah Secco) e Jackeline Joy (Juliana Paes) teriam se dado bem na TV, sem problemas. Talento e derriére não faltam a elas. E não venham contradizer essa tese. Luciana Gimenez não deixa o leitor mentir sozinho. O fato é que não é só a verossimilhança que dá peso e credibilidade a uma novela. Macaquear a ex-namorada de um ex-piloto de Fórmula 1 que se barbeia em praça pública e depois inicia uma imparável escalada social só é algo eficiente na ficção se a ficção souber exatamente o que quer dizer com isso. Celebridade engajou cerca de 38 milhões de telespectadores por dia no País, segundo a Superintendência de Comunicação da Globo. Os números da Globo são sempre astronômicos e costumam crescer nos momentos-chave. Os últimos capítulos das novelas Esperança e Mulheres Apaixonadas registraram, respectivamente, 46% e 55% de audiência. Certamente, esta noite, Celebridade também terá seu último capítulo de fama. Para ler mais: O fim da novela que discutiu a fama Renato sai da lista dos suspeitos de "Celebridade" "Quem matou Lineu?" é o assunto da semana Até o ministro Gil canta no final de "Celebridade" Mistério de "Celebridade" será revelado dia 25 Renato Mendes dá a volta por cima Laura morre no fim de "Celebridade", diz jornal

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