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O embate entre a razão e o espírito

Jostein Gaarder conta uma história de amor nos tempos de internet

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Por Ubiratan Brasil
Atualização:

O autor. Filosofia deve ser tratada com sensualidade

 

 

 

 

 

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Antes de embarcar para São Paulo, onde chega hoje para a 21.ª Bienal Internacional do Livro, o norueguês Jostein Gaarder estudou a pronúncia em português de seus títulos já publicados aqui, a começar pelo maior sucesso, O Mundo de Sofia, que, no início dos anos 1990, o tornou mundialmente conhecido. "É o mínimo que posso fazer por meus leitores", justificou ele, que vem lançar mais um candidato a best-seller, O Castelo nos Pirineus, tema de seu primeiro encontro com os leitores na Bienal, amanhã, às 19 horas, no Salão de Ideias. A feira abre suas portas para o público hoje, a partir das 10 horas.

O romance, de cunho filosófico, mostra o reencontro de Steinn e Solrunn, que viveram uma intensa paixão nos anos 1970. Hoje, cada um segue uma crença - ele, climatologista, só valoriza a razão; já Solrunn, tornou-se religiosa, acreditando na transcendência do espírito. Novamente Gaarder, que completou 58 anos no domingo, trata a filosofia não como algo cerebral, mas como questão de sensualidade. "A mente não é mais importante que o corpo", acredita ele, que conversou com o Estado por telefone, de Oslo.

Terminada a leitura de O Castelo nos Pirineus, é possível concluir que você acredita em histórias de amor?Sim, com certeza, o amor caminha paralelo ao ocultismo no romance. Mas devo acrescentar que não acredito em histórias amorosas que brotam espontaneamente: é como uma amizade, que se constrói, que se molda com o passar do tempo. Tomo a relação com minha mulher como exemplo, pois nos conhecemos jovens (eu tinha 19 anos) e, desde então, vivemos juntos. Talvez por isso eu acredite em histórias de amor.

Também a lembrança é um tema recorrente, não?Sim, e como somos traídos e também como traímos nossas lembranças, criando fatos (propositalmente ou não) que não correspondem com o que foi realidade. É algo semelhante a um interrogatório policial - mesmo que a testemunha narre com exatidão, os homens da lei sempre desconfiam do depoimento. É o que mostro no romance, com dois personagens tão distintos: enquanto Steinn é racional, Solrunn é uma mulher que acredita na transcendência, daí as lembranças de cada um serem tão distintas, apesar de tratarem do mesmo assunto. A trama está relacionada com um livro que, acredito, é muito conhecido no Brasil, O Livro dos Espíritos...

Sim, de Alan Kardec.Esse mesmo. Uma obra publicada na França no século 19 e que, pelo que sei, ainda provoca (fala em português) "revelações espíritas" em seu país, certo? É por isso que acredito que meu romance será bem compreendido pelos brasileiros. Na Noruega, esse tipo de crença vem aumentando, com novas fronteiras entre ciência e fé. A religião torna-se cada vez mais viva.

Filosofia e ciência têm se tornado mais popular?Com certeza. Continuo espantado com o sucesso de O Mundo de Sofia, já traduzido para 55 idiomas. Eu não tinha noção de como minhas preocupações tocavam tantas pessoas. O mistério continua interessando e é por isso que entendo Solrunn, minha personagem, e suas certezas sobre a existência de uma vida em outra dimensão.

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Por falar em O Mundo de Sofia, o livro tornou-se um divisor em sua carreira. Escrever tornou-se mais difícil depois de tanto sucesso?Na verdade, não, porque meu maior desafio já havia sido vencido, que foi publicar O Dia do Curinga, em 1989. Ganhei um importante prêmio norueguês e me provocou a necessidade de apresentar algo sobre filosofia que fosse mais acessível aos jovens. Dois anos depois, surgiu O Mundo de Sofia e a consagração mundial, que eu não esperava. Aliás, nem meu editor norueguês, que vacilou antes de publicar o livro (risos). Por isso que considero os dois títulos igualmente decisivos. Foram dois momentos em que percebi a importância conferida pelos leitores à filosofia, considerada importante, mas de difícil acesso. Era preciso estabelecer uma ponte.

Ainda sobre O Castelo nos Pirineus, é interessante o uso da tecnologia, com os dois personagens se reencontrando por e-mail e reacendendo o que se perdeu ao longo dos anos.O romance utiliza uma estrutura antiga, que é o amor epistolar, mas adaptado às novas tecnologias. O resultado foi um incremento na velocidade da relação, pois hoje é possível manter uma troca de mensagens em poucos minutos e não mais em dias, como antigamente.

Se você escrevesse O Mundo de Sofia hoje, as questões da menina seriam diferentes?Muitas seriam as mesmas, mas certamente eu incluiria o debate sobre como manter a vida sustentável em nosso planeta. As questões ecológicas e climáticas teriam mais importância.

 

TRECHO"Não dissemos uma palavra no caminho. Sobre aquilo, digo. Falamos de tudo, mas daquilo não. Tal como antigamente. Não fomos......capazes de nos posicionar quanto ao acontecido. E assim nós fomos para o brejo, talvez não você enquanto você, nem eu enquanto eu, mas nós dois enquanto nós dois. Não conseguimos nem mesmo trocar um boa-noite. Lembro que passei a última noite no sofá. E me lembro do cheiro do cigarro que você fumava sentado no outro cômodo. Através da parede e da porta fechada, cheguei a ver a sua cabeça inclinada".

 

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PROGRAMAÇÃOCom aproximadamente 1.100 horas de programação até o dia 22, a Bienal oferece opções imperdíveis. Veja algumas deste fim de semana:Hoje 16 hDebate sobre Monteiro Lobato, com Ignácio de Loyola Brandão, Lygia Fagundes Telles, Tatiana Belinky, Francisco Mirins e Ruth Rocha (Palco Literário)18 hRegina Duarte interpreta obras literárias (Palco Literário)19 hConversa com Dacre Stoker, sobrinho-bisneto do criador de Drácula, Bram Stoker (Salão de Ideias)

Amanhã 15 hA atriz Beth Goulart e o pesquisador norte-americano Benjamin Moser discutem Clarice Lispector (Salão de Ideias)17 hConversa com Dacre Stoker, sobrinho-bisneto do criador de Drácula, Bram Stoker (Salão de Ideias)

Domingo 11 hOs escritores Luiz Eduardo Matta e Ana Cristina Melo discutem literatura juvenil (estande da CBL)13 hZiraldo fala de seus principais personagens (Salão de Ideias)17 hO irlandês John Boyne comenta sua obra O Menino do Pijama Listrado.

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