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Luzes da cidade

O duelo

Hoje é o 56.º aniversário do primeiro debate presidencial na televisão norte-americana. É também o dia do debate potencialmente mais decisivo deste milênio. Um terço dos eleitores consultados numa nova pesquisa diz que o primeiro de três encontros de Hillary Clinton com Donald Trump, esta noite, vai ter grande influência sobre seu voto.

Por Lúcia Guimarães
Atualização:

As imagens em preto e branco do confronto entre John Kennedy e Richard Nixon, em setembro de 1960, entraram para a história deste ritual das eleições e fazem parte da educação de marqueteiros. Quem ouviu o debate pelo rádio teve a impressão de que Nixon dominou a noite. Mas ele foi impiedosamente derrotado no teste da câmera. Os close-ups revelaram seu suor, a barba mal feita, a fisionomia crispada. Kennedy transpirava juventude e autoconfiança. A diferença de idade era pequena, Kennedy tinha 43 anos, Nixon, 47. Mas, naquela noite, só um representava, para o eleitor, otimismo com o futuro.

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O debate desta noite tem uma ponte direta com o debate que ajudou a reeleger Richard Nixon, em 1972. Em janeiro de 1968, Nixon tentava se tornar mais palatável para o público e apareceu num talk-show. O produtor do programa teve a desfaçatez de lhe dizer que ele precisava de um assessor de mídia. “O que é assessor de mídia?”, perguntou o futuro presidente deposto pela imprensa. “Sou eu”, respondeu Roger Ailes, o recém-demitido fundador da mídia conservadora moderna, criador da Fox News de Rupert Murdoch. Ailes, de 76 anos, uma figura paranoica e extremista, que enfrenta múltiplos processos por assédio sexual, dirigiu a participação bem-sucedida de Nixon no debate com George McGovern em 1972. 

Mesmo antes de ser demitido por Murdoch, em julho, Ailes já era conselheiro de Donald Trump e, apesar das negativas da campanha, tem dado orientação ao candidato republicano para o debate. Tony Schwartz, coautor de Trump no best-seller A Arte da Negociação (1987), disse que ele nunca leu um livro e tem enorme dificuldade de se concentrar. Não me lembro de ter testemunhado aqui tanta ansiedade com um debate presidencial. O que não chega a surpreender, considerando o que está em jogo – a democracia nos Estados Unidos e a segurança global.

Programas de TV, jornais, redes sociais têm sido inundados com previsões e estratégias, conselhos para Hillary. Os debates na TV, diz David Axelrod, o principal estrategista da surpreendente campanha de Barack Obama em 2008, não são vencidos com a plataforma política. Eles são definidos por certas frases, por momentos memoráveis. Como o momento em que Hillary, então candidata a senadora em Nova York, triunfou sobre seu oponente jovem e bonitão Rick Lazio, em 2000. Lazio foi para cima de Hillary com um pedaço de papel, um compromisso sobre financiamento de campanha, mas a cena acabou imortalizada como assédio físico. Não foi a superioridade intelectual de Hillary, naquele ano, nem seu domínio extraordinário de detalhes de políticas públicas que manteve a cadeira do Senado nas mãos do Partido Democrata.

E, esta noite, não será a superioridade ainda mais acentuada que confirmará o que deixa o resto do mundo perplexo por não ser compreendido por quase metade dos eleitores, se as pesquisas estão corretas: que nunca houve candidata tão preparada para assumir a presidência (palavras de seu ex-adversário Barack Obama) e nunca, na história recente do país, houve um candidato tão despreparado (palavras de vários editoriais de grandes jornais).

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O veterano Axelrod publicou, no New York Times, sua estratégia para a Hillary Clinton. Trump reescreveu a etiqueta em política, mente, desconcerta adversários com insultos e é de uma ignorância espantosa. Bater testa com ele é ser arrastado para seu redemoinho de baixarias. Axelrod, ciente de que Hillary tem alto índice de rejeição, sugere manobra de circum-navegação. Propõe que Hillary desmonte suas balelas sem engajamento corpo a corpo e se dirija direto ao eleitor.

Mas há sempre a chance de Trump posar de cordeiro. As expectativas são tão baixas, tanto em consistência como em civilidade, que um Trump com mais compostura poderá facilmente se beneficiar de uma normalização. Ele sabe bem disso – passou os últimos dias jogando iscas que parte da imprensa mordeu. Ameaçou trazer para a primeira fila do auditório do debate a famosa ex-amante de Bill Clinton, que quase derrubou sua candidatura, em 1992. Hoje “dançarina de show burlesco” (inserir aqui a piscadela de emoji), Gennifer Flowers tuitou lábios vermelhos e avisou, estarei lá. Assessores da campanha de Trump se apressaram em dizer que ela não vai. Não vão permitir o vexame de culpar uma candidata pela infidelidade do marido.

O debate político é um pilar da democracia, praticado desde a Grécia antiga. Mas o debate televisivo, hoje, depende mais do marketing do que das ideias.