O dia em que Paris se salvou

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Por Agencia Estado
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Paris está queimando? O general ouviu a pergunta que saía meio fanha da voz metálica no telefone vermelho que havia na suíte 213 do Hotel Meurice, na Rue de Rivoli, em Paris. Era o Führer em pessoa, Adolf Hitler, quem dava a ordem. Quem a recebia era o comandante das forças de ocupação alemã em Paris, Dietrich von Choltitz. Era agosto de 1944, os aliados desembarcados na Normandia avançavam. As ordens de Choltitz eram de, antes de abandonar Paris com suas tropas, destruir toda a cidade ? sob o pretexto de retardar o avanço das forças aliadas. Choltitz viveu um conflito de consciência. Ele olhou para o Louvre, para a Torre Eiffel, para a Madeleine, Notre Dame, Luxembourg, a Ópera de Paris. Todos os belos edifícios, igrejas, pontes, toda a grandeza da cidade que Hemingway definiu como uma festa móvel deveria virar ?um campo de cinzas?. Carregamentos de dinamite foram enviados de Berlim para a tarefa. Alguns edifícios chegaram a ser minados. E então, Choltitz tomou a decisão de desobedecer o Führer. No dia 25 de agosto (60 anos na quarta-feira), ele assinou o termo de rendição. O dia em que Paris escapou por um triz. Essa história foi contada de muitas maneiras. No livro Vinho & Guerra (Jorge Zahar Editor), é reproduzido o diálogo que o general Choltitz, vivendo um drama entre civilização e barbárie, travou com o presidente da Junta Municipal de Paris, Pierre Taittinger (da família fabricante do famoso champanhe). Há um filme de René Clémént, de 1966, com Simone Signoret, sobre o tema. Choltitz escreveu a própria versão dos fatos, o livro Brennt Paris? Adolf Hitler, em 1951, sobre os 16 dias que mandou na Cidade-Luz. A obra, de 101 páginas, tem raras reedições e acham-se poucos exemplares esparsos nas bibliotecas alemãs. ?No ato de bombardear Paris, destelhavam a casa do meu pai?, escreveu Murilo Mendes, a respeito do sentimento mundial quanto à possibilidade de Paris soçobrar diante da barbárie. ?Ponderações e lutas de consciência semelhantes estavam ocorrendo por toda Paris, como sucedera já na Itália, e na verdade a própria existência da cidade agora dependia da honra de um único homem?, escreveu Lynn H. Nicholas em Europa Saqueada (The Rape of Europe, Companhia das Letras, 1996). Para muitos historiadores, o sentimento do general alemão Von Choltitz, naquela noite em que resolveu poupar Paris, era o mesmo de Murilo Mendes e de todas as pessoas civilizadas que conhecem a cidade. ?Não passa um dia sem que eu me veja obrigado a falar sobre aquela noite, do que meu pai comeu, o que ele fez, quais as conversas que travou. A verdade é que havia as tropas dos americanos e franceses a caminho de Paris, a guerra estava perdida e meu pai não era um criminoso, mas um soldado?, disse ao Estado Timo von Choltitz, filho do general que se recusou a transformar Paris numa ruína da humanidade. É uma história controversa. Há quem diga que Choltitz não fez mais do que salvar a pele, e questione seu papel de herói na coisa toda. O general, nascido em novembro de 1894, morreu em novembro de 1966 em Baden-Baden. Ele foi nomeado interventor em Paris no dia 7 de agosto e chegou à cidade no dia 9. Suas ordens, diretamente de Hitler, eram de resistir ?até o último homem?, o que seria uma insanidade, e depois, evitar que a cidade caísse em mãos inimigas, ?exceto se estivesse reduzida a ruínas?. Choltitz negociou sua rendição e a de suas tropas ao general francês Philippe de Hauteclocque (?Leclerc?) e ao líder da Resistência Henri Tanguy na Gare Montparnasse, no dia 25 de agosto. Por evitar um novo desastre como o de Stalingrado (atual Volvogrado), ele foi visto como um homem de honra.

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