O menino em mim vê o surgir de graça, naturalmente, o café com leite e o pão com manteiga. Na nossa infância querida, como diz com exagero lírico o poeta, aprendemos inconscientemente a dever (mesmo sem ter o café-com-leite) abençoado pelo sorriso da mãe, do pai, da empregada e dos irmãos. Foi só quando sai de casa que me dei conta do quanto custava a “hotelaria” caseira; o preço escondido de um lar. Aliás, para muitos, falar em “economia doméstica” seria um absurdo, conforme ouvi uma vez, quando existia essa matéria no curso secundário. Uma disciplina destinada às “meninas” já que nós, “meninos”, aprendíamos “trabalhos manuais”.
Não tínhamos a menor ideia do nosso passado escravista e, talvez por isso, nossos educadores tivessem inventado essa atividade no intuito de liberar as tarefas mecânicas e manuais do seu estigma escravocrata negro para jovens que se pensavam como brancos. O fato é que, velho, tenho consciência de ter doado meus filhos para o mundo e, com eles, meus netos. Todas as manhãs me vem à cabeça essa cena do café-com-leite-e-pão-com-manteiga para uma meia dúzia de meninos. Uma “hotelaria” razoável como disse a filha de um amigo ao voltar para a casa materna, depois de viver com o pai e sua nova esposa. “Por que voltou?, perguntou a mãe. Simples, respondeu a filha: Aqui a hotelaria é muito melhor!” Quanto mais individualistas ficamos, sem abandonar, é claro, o velho filhotismo das dívidas; quanto mais liberdade igualitária usufruímos, mais descobrimos o amor das hotelarias nascidas do dever de ser alguma coisa para alguém. Em criança isso é dado. Na vida adulta, quando passei a ser um cidadão numa rede de cidadanias, descobri que a vida não era uma praia de águas transparentes de Niterói. Agora o café, o almoço e o jantar, a casa, a luz, a água e o mimo eram deveres. Antes, a vida era recebida; hoje, é feita. Temos a obrigação de sustentar a “casa” (essa imensidão de respeitos irrefutáveis, alegrias e inconsciências...). Casado, tendo que administrar amores e engolir injustiças e a jumenctice nacional, a vida como disse um olvidado Anísio Teixeira, é um dever. Com o sumiço do bom-senso, não há vida a ser vivida. Há o dever de viver.
PS: Um viva para o Faustão. Ele me chamava de “o inoxidável de Niterói” e eu admiro a sua autenticidade.