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O corpo que denuncia a dor

Por Angela Lacerda e RECIFE
Atualização:

Os vídeos causam impacto. Assim que se entra na Galeria Vicente do Rego Monteiro, na Fundação Joaquim na Nabuco (Fundaj), no Recife, se vê, ampliadas por toda a parede frontal, as imagens em vídeo de uma moça sendo submetida por seu algoz a seguidos mergulhos em um tonel cheio d'água. Confissão é o vídeo da artista guatemalteca Regina José Galindo, Leão de Ouro na Bienal de Veneza de 2005, que não alivia em nenhum dos seus trabalhos. Na maioria deles, ela é a protagonista. Em Tumba, em um barco há homens 'desovando' no mar pessoas amarradas em sacos. Numa outra criação, a artista se mutila com uma faca, escrevendo, cortando, na perna, a palavra perra. Em uma outra, ela grávida de sete meses, aparece nua, deitada em uma maca com as pernas abertas, amarradas.As cenas remetem imediatamente à tortura, violência, dor, desaparecimentos, sequestros, mortes e desrespeito aos direitos humanos vividos em períodos de repressão e ditadura que marcaram gerações não somente na Guatemala, terra de Regina, mas em vários países da América Latina na segunda metade do século 20.A mostra vai até dezembro e integra o projeto Política da Arte, da Fundaj, criado em 2009. As cenas, chocantes, registradas pela artista de 37 anos, que usa o próprio corpo como "corpo social" para expressão de arte e denúncia, vão servir de mote para debates também em torno da recém-proposta Comissão da Verdade, pelo governo brasileiro."Há um certo recalque, um certo tabu ao se tratar de questões do passado recente da história brasileira", afirma o curador da mostra, Moacir dos Anjos, ao se referir à ditadura militar e às prisões, sequestros e mortes de muitos que se opuseram ao regime de exceção. "Esta é uma boa oportunidade", diz ele, ao lembrar que muitos foram mortos sob a tutela do Estado em circunstâncias não esclarecidas.A discussão terá lugar nos dias 23 e 24 com a participação do curador, de representantes da Secretaria de Direitos Humanos do governo federal e artistas como o argentino Marcelo Brodsky, cujo trabalho busca informar as novas gerações sobre o período de terror argentino que ele viveu a partir do desaparecimento do seu irmão, que se opunha à ditadura. Brodsky foi um dos idealizadores do Parque da Memória, em Buenos Aires.O carioca Carlos Vergara e o paraibano José Rufino - que, igualmente, tiveram a repressão como inspiração de mostras - também confirmaram suas participações nos debates, que devem girar em torno de memória, verdade e justiça, a partir da relação da arte contemporânea com a política.Esta é a quinta edição do Política da Arte. Meio ambiente e repressão ao homossexualismo foram algumas das questões já abordadas - em mostras - e discutidas em edições anteriores.

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