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O colecionador de arte Chateaubriand

Um dos mais importantes colecionadores do País, Gilberto Chateaubriand não apenas reuniu durante mais de 50 anos um acervo exemplar, no qual estão representados grandes momentos da arte nacional, como se tornou uma espécie de embaixador das artes brasileiras

Por Agencia Estado
Atualização:

Um dos mais importantes colecionadores do País, Gilberto Chateaubriand não apenas reuniu durante mais de 50 anos um acervo exemplar, no qual estão representados grandes momentos da arte nacional, como se tornou uma espécie de embaixador das artes brasileiras. Consciente de que um patrimônio cultural desta dimensão não pode ficar restrito a quatro paredes, cedeu-o em comodato ao Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio, potencializando de forma impressionante seu alcance. Fato que não reduziu em nada seu desejo de continuar buscando as obras que estão definindo os rumos da arte brasileira. Não há evento de destaque ao qual não compareça, nem ateliê de jovem artista talentoso que não visite, mostrando uma dedicação e interesse que estão na origem de sua indicação para concorrer ao Prêmio Multicultural 2001 Estadão Cultura, como fomentador. Filho do magnata das comunicações Assis Chateaubriand, com quem manteve uma relação conturbada, ele seguiu a carreira diplomática e hoje em dia é produtor rural, dividindo-se entre sua fazenda de Porto Ferreira, o apartamento do Rio e as inúmeras viagens que faz pelo País e pelo exterior. Abaixo, Chateaubriand fala sobre mecenato, colecionismo e, sua grande paixão, a arte brasileira. Agência Estado - Você considera o ato de colecionar uma espécie de mecenato? Ou se trata de uma relação pessoal com a obra de arte? Gilberto Chateaubriand - O mecenato envolve necessariamente uma relação pessoal com a obra de arte. Não existem mecenas "impessoais" da mesma forma como existem investidores impessoais. É algo que você sabe ser fundamental para a sociedade, ou é melhor você deixar de lado. Você diz que não delega a ninguém o poder de comprar obras. Você ainda tem tempo e ânimo para visitar ateliês e exposições? Bem, se alguém não tem interesse por comida, pode delegar a outrem a decisão sobre o que vai comer; se não se interessa por roupas, pode delegar a decisão sobre o que vai vestir. Delegar isto a terceiros seria tirar do colecionador o prazer máximo, que é descobrir, selecionar e adquirir a obra. E, afinal, enquanto houver interesse, haverá sempre tempo e ânimo. A maior parte do meu dia, quando não estou cuidando da fazenda ou de meus entreveros judiciais com o condomínio acionário dos Diários Associados, é isso que faço: passear por exposições e ateliês. Confesso, aliás, ser um pouco maníaco. Por que você resolveu ceder parcela importante da sua coleção para o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro? Cedi porque a coleção há muito ultrapassou qualquer noção possível de acervo privado; ela apresentava um panorama bastante diversificado da arte brasileira do século 20 (a esta altura, eu já deveria estar dizendo "do século passado") e, como tal, ela vai além de meus interesses individuais. Se há um domínio em que o egoísmo não pode existir, no caso de um colecionador, é exatamente no domínio da coleção. E por que ao MAM do Rio? Ora, parte considerável da minha vida adulta foi ali vivida, parte considerável dos meus conhecimentos de arte e dos artistas foi ali obtido, ali fiz amigos e ali o Brasil durante décadas aprendeu a ver arte; é uma instituição única na história cultural do País. Você já disse que fazer uma coleção implica definir um período ou uma corrente. Qual seria a característica do seu acervo? A escolha de um período histórico ou de uma corrente artística significa, no fundo, a escolha de um problema que os artistas estejam tentando resolver em um certo local, em um certo momento. Não adianta eu começar uma coleção de arte de povos da Melanésia se eu não sei nada deles, menos ainda da arte deles. Estaria agindo como a pega, aquele pássaro que coleciona coisas brilhantes. Se você quer saber a que período ou corrente minha coleção corresponde, eu diria exatamente isto: às lutas, durante quase cem anos, de uma comunidade para produzir um dos patrimônios mais brilhantes que o País deixa para o futuro. Como você conseguiu financiar a coleção, levando em conta o fato de que não chegou a receber nem 1% da herança de seu pai? No início, minha atividade como diplomata e, agora, como fazendeiro é que sustentaram a coleção. O ponto é que, nos anos 50 e 60, quando comecei a comprar arte, seu valor de mercado era muito baixo; o que me permitiu adquirir o que estava ao meu alcance com um salário de diplomata (e ainda fico triste quando me lembro das muitas coisas que ele não me permitia comprar). Depois, com a fazenda, pude continuar mantendo uma atividade constante porque passei a me interessar basicamente por artistas jovens e que representam, na maior parte das vezes, a arte mais vitalmente engajada com o momento atual. Você poderia falar um pouco sobre seu relacionamento conturbado com seu pai, que chegou a acusá-lo de roubar um quadro? Todos conhecem as dificuldades que tive com meu pai (eu e meus irmãos: não fui privilegiado nesse aspecto), nem as considero a parte mais emocionante de minha vida. O episódio do quadro foi lamentável, uma obra de Portinari com que ele me presenteou privadamente e, depois, resolveu "despresentear" publicamente. Ocorre muito entre pessoas caprichosas e com poder, como ele era. Resultado de relações pessoais e afetivas mal desenvolvidas.

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