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O colchonete

Por Luis Fernando Veríssimo
Atualização:

-Você mandou me chamar, Dodo?- Mandei, dona Berenice. Mandei. Por favor, sente-se.- Algum problema?- Não, não. Eu só achei que deveríamos conversar sobre o nosso encontro na terça-feira.- No bloco "Engrena que eu acelero"? Não foi um barato? Acho que nunca me diverti tanto.- Pois é, dona Berenice. Mas a senhora deve ter notado que eu estava, meio... Qual é a palavra?- Chumbado?- Embriagado.- Você estava ótimo, Dodo! Alegre. Desinibido. É um lado seu que eu não conhecia. Aliás, que ninguém na firma conhecia.- Você comentou o nosso encontro da terça aqui no escritório, dona Berenice?- Só comentei. Não contei tudo o que aconteceu. É claro, né Dodo? - Tudo o que aconteceu?- Você não se lembra de nada? Do bar? Do fundo do bar? Do colchonete em cima dos engradados de cerveja no fundo do bar? Nada?- Colchonete?!- De tudo que nos dissemos e fizemos?- Defina "tudo", dona Berenice.- Tudo! As confidências. As promessas. E o depois.- O que houve depois?- Digamos que o colchonete cumpriu seu papel.- Meu Deus. Eu não sabia que tínhamos chegado ao colchonete. Um colchonete em cima de engradados de cerveja. Isto não.- Mas foi lindo, Dodo. Você era outro homem. Não parou nem quando entrou o português do bar e...- O quê? Entrou um português na história?!- Ele só foi buscar uma lata de azeite ou coisa parecida. E você não parou. O português entrou e saiu e você continuou. Vupt e vupt. Você, hein Dodo?- Vupt e vupt. Meu Deus do céu. E as confidências e promessas, dona Berenice?- O que tem elas?- Você sabe que um homem bêbado em cima de um colchonete diz qualquer bobagem. O colchonete está na fronteira entre o recato e a exposição total, à autopiedade e ao ridículo. Um homem num colchonete perde todo o escrúpulo e confessa tudo, até o que não fez. E promete o que não pode dar. - Não se preocupe, Dodo. As confidências eu esqueci e as promessas eu não levei a sério. Nem a promessa de casamento. Eu sabia que não eram para valer. Afinal...- O que, dona Berenice?- Era carnaval.- Obrigado, dona Berenice. Obrigado. Pela sua compreensão e pela sua discrição. Vamos fingir que nada aconteceu, e tudo volta ao normal. Inclusive, dona Berenice, vou lhe pedir um favor...- O quê?- Volte a me chamar de dr. Odorico.

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