O circo itinerante de Mr. Dylan

É um raro privilégio poder vê-lo ainda em cena, como hoje

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Por Jotabê Medeiros
Atualização:

Então hoje é dia de Dylan. O público vai aplaudir a gaita de Bob Dylan no momento em que ela surgir, na terceira música, Things Have Changed, com a qual ele ganhou um Oscar (a estatueta, ou uma réplica dela, estará em cima da caixa de som, envolta por colares de mardi gras). Os seguranças, em pânico, vão advertir: "Se fotografar, ele vai embora."Dylan vai cantar coisas que quase todo mundo conhece, como Desolation Row e Ballad of a Thin Man, mas o público demorará quase um minuto para reconhecer essas canções. Não há a menor possibilidade de que um show de Bob Dylan seja revestido de um manto de nostalgia, de estandartização, porque ele cuida milimetricamente de tudo para que isso não aconteça.Prestem atenção à banda de Dylan, porque esses caras não são deste mundo. Atrás de Dylan fica Donnie Herron, que toca pedal steel guitar, trompete, violino e o que mais Dylan mandar. Toca também uma miniguitarra elétrica, um tipo de bandolim elétrico, a Blue Star Mandoblaster, que dá um colorido especial aos solos. Ele é o único para o qual Dylan parece sorrir às vezes. À frente de tudo, com o cabelo gomalinado e repartido ao meio, o guitarrista Charlie Sexton, que passa do blues e do folk ao punk rock sem secar os cabelos. No fundão, dividindo-se entre os contrabaixos acústico e elétrico, o veterano Tony Garnier, também diretor musical, tocando sempre com sua pose corcunda de animador de festas em galpões rurais. O baterista é Stu Kimball e o segundo guitarrista, que toca o tempo todo com o pé no tablado da bateria, um clone do Tom Waits, é George Recile.O show desta noite, no Credicard Hall, será o quarto concerto de Dylan em seis apresentações previstas no Brasil. O repertório muda (não radicalmente, mas delicadamente) conforme a cidade. No Rio, no domingo, ele tocou It aint' me, Babe. E não deu bis. Em Brasília, na terça, ele tocou Don't Think Twice, It's Alright (que está na trilha da novela Avenida Brasil e já era vendida em bootlegs em 1962) e Blind Willie McTell. Em Belo Horizonte, na noite de quinta, tocou High Water (For Charley Patton) e It's All Over Now Baby Blue. E deu bis nessas duas últimas cidades, com Rainy Day Women #2 & 35. Então, é torcer para Dylan ser apenas Dylan esta noite. Pensam que é fácil? Bom, ao longo dos últimos 50 anos, no mínimo, muitos foram anunciados como o "Novo Dylan", mas nenhum deles chegou perto: Donovan, John Prine, Barry McGuire, Jesse Winchester, Bright Eyes e até o próprio filho de Dylan, Jakob.O público vai esperar que Dylan o bajule, mas ele não vai ceder, detesta idolatria. Vive dessa sensação de movimento permanente, é o seu leitmotif. "Às vezes, você se sente como um lutador inapto, que desce do ônibus no meio do nada, sem torcida, sem admiração; dá socos para sobreviver por 10 rounds ou algo do tipo, sempre fazendo outra pessoa parecer boa; vomita a dor no vestiário, pega o cheque e volta para o ônibus, seguindo para outro lugar nenhum", disse, em 1985.Ao final, o chapéu e o casaco terão esquentado a cabeça de Dylan, e haverá um momento em que tirará o chapéu e passará a mão nos cabelos, arrumará os mullets ralos, para em seguida recolocar o chapéu. É um privilégio poder vê-lo ainda em cena.

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