O caminho do meio

De volta ao Brasil, coreógrafo francês Philippe Decouflé fala sobre como combina pesquisa e entretenimento

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Por Maria Eugenia de Menezes
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Philippe Decouflé encontrou a resposta longe das bordas, no meio do caminho. Quando começou a carreira, em meados dos anos 1980, o hoje afamado coreógrafo francês descobriu o estilo que se tornaria sua marca mirando o que seus colegas faziam. E percebendo o que faltava neles. "Não via nos espetáculos o que gostaria de ver. De um lado estavam os shows comerciais, voltados apenas para o entretenimento. Do outro, as criações de pesquisa. Obras interessantes, mas difíceis de ver, de entender", acredita o artista, que está de volta ao Brasil para apresentar o espetáculo Octopus.Criada em 2010, a montagem não destoa daquilo que o público já se acostumou a esperar do coreógrafo. Projeções de vídeo, referências ao circo, uma sucessão de imagens impactantes. Beleza, sim. Mas sem a pretensão de suscitar reflexões teóricas ou debates intelectuais. "Não faço espetáculos para mim. Faço para que sejam vistos. Meu trabalho é compartilhar felicidade", disse ao Estado, pouco antes de ir ao Teatro Alfa comandar o ensaio dos oito bailarinos e dois músicos que estão nessa peça.É a primeira vez, desde 2000, que Decouflé retorna ao País. Há quatro anos, seu grupo mostrou por aqui a coreografia Sombrero. Mas o diretor não veio. Estava às voltas com o Cirque du Soleil.Faz tempo, aliás, que a maneira bastante particular com a qual combina ideias simples a imagens grandiosas ultrapassou os limites de seu próprio grupo. Tornou-se uma receita bem-sucedida e lucrativa. Em 1992, o bailarino se tornou internacionalmente conhecido após assinar a abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno. Mais tarde, também criou, sob encomenda, um espetáculo para o cabaré francês Crazy Horse: leitura, com novos contornos, para os tradicionais shows de strip-teases. "Tudo isso é muito diferente do meu trabalho habitual. Preciso explicar cada passo do que estou fazendo. Não tenho a mesma liberdade."Ainda assim, pode vir precisamente dessas incursões o lampejo que motiva suas coreografias à frente da companhia DCA (Decouflé & Complices Associés ou Dance Compagnie D'Art). Octopus, por exemplo, retira subsídio da experiência que Decouflé teve com as strippers de cabaré. "Foi um tipo de reação ao que vi. Elas eram todas iguais", observa. "Queria entender de onde vem a beleza. Mostrar aquilo que não aparece nas revistas. Por isso trouxe meninos e meninas, corpos grandes e pequenos. Altos e baixos, brancos e negros."Além da beleza, outros conceitos nortearam o criador. Não dá para dizer que Octopus conte propriamente uma história. Ou esteja a tecer reflexões sobre um tema específico. Mas, em sua concepção, a obra evoca algumas questões. Lembra dois mestres da dança mortos em 2009: Merce Cunningham e Pina Bausch. Também traz ecos de sentimentos difíceis de decifrar, como o amor e o ciúme. "Acho que é porque eu sou ciumento. E isso é algo do qual a gente tenta se afastar, mas não consegue."Não é apenas o ciúme que retorna. Algumas das obsessões estéticas de Decouflé também estão de volta. Seu vínculo com o cinema continua evidente. "Foi a vida que me desviou. Minha primeira ambição era ser cineasta", conta o artista, que também chegou a atuar como mímico. Curiosamente, a presença das projeções se abrandou. "Não queria fazer um show de TV", argumenta. As cores exuberantes de títulos anteriores também esmaeceram. E Octopus surge quase monocromático. "Tudo se tornou puro, quase preto e branco. Com o tempo, a gente se aproxima da simplicidade."O que não significa que o resultado não possa ser o oposto na próxima obra. "Todo muito tem feito coisas escuras ultimamente. Estou pensando em recuperar as cores", diz Decouflé. Sempre afastado dos extremos, sempre a se alimentar da falta.

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