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O caminho da bienal ainda está incerto

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Por Redação
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Há dez anos realizava-se no pavilhão da Bienal a célebre mostra dos 500 Anos, que reuniu cerca de 15 mil peças, u número recorde de curadores, arquitetos e cenógrafos e atraiu quase 2 milhões de visitantes. Envolveu ainda edições luxuosas e mostras itinerantes pelo mundo afora. Tal luxo teve como contrapartida o acirramento da crise de uma das instituições mais sólidas e importantes de fomento às artes plásticas do País, que se mostrou incapaz de assumir compromissos excessivamente vultosos feitos por seus administradores e vulnerável frente a uma excessiva e imediatista concentração de poder.As dificuldades financeiras e administrativas começaram a vir a público de imediato, com o aumento de fornecedores reclamando pagamento. Ainda que tenham sido necessários alguns anos para o encerramento da era Edemar Cid Ferreira, com sua denúncia e prisão por problemas relativos ao Banco Santos, a situação já era grave nos primeiros anos da década.A atrapalhada gestão de Carlos Bratke, como a decisão de adiar a realização da 25ª Bienal e a demissão, por carta, do curador Ivo Mesquita, jogaram a instituição numa situação que só começou a ser parcialmente resolvida recentemente. Parcialmente porque, se foi possível resgatar a credibilidade e o equilíbrio financeiro com a intervenção da presidência de Heitor Martins - recém-reeleito como presidente da instituição -, ainda é incerto o caminho a ser trilhado pela Bienal. Ao completar 60 anos em 2011, a instituição cumpriu importante papel na cena artística. Formou artistas e críticos, ajudou a inserir o Brasil no circuito internacional, criou espaço permanente de exibição e, na medida do possível, de reflexão e debate. Mas a Bienal enfrenta também uma crise de fundo, de vocação. A busca de público e de visibilidade estimulou uma concessão cada vez maior à arte-espetáculo; as críticas à segmentação geopolítica (modelo inspirado na centenária Bienal de Veneza) fizeram com que o critério geográfico fosse abolido sem que nada muito superior fosse colocado em seu lugar; a necessidade de corte de custos fez com que se eliminassem os núcleos históricos deixando o público pouco experiente diante da sensação de que a arte contemporânea nasce do nada, vale milhões e não se sabe por quê.A solução para o término dos dois núcleos historicamente estruturantes da mostra - representações nacionais e núcleo histórico - foi a adoção de critérios variáveis, coletivos (portanto, às vezes turvos) de curadoria e, sobretudo, o recurso a temas abrangentes e um tanto estéreis. Um resumo sucinto dos eventos da década parecem confirmar tal avaliação. Ao pragmatismo das duas primeiras mostras da década, sob o comando do alemão Alfons Hug, sucedeu-se a mostra politicamente correta coordenada por Lisette Lagnado, baseada em texto de Roland Barthes que flertava com questões de cunho político e existencial. Depois foi a vez de Ivo Mesquita proclamar a necessidade, real, de se discutir a fundo os rumos da instituição e instituir a Bienal do Vazio. Na verdade o que se viu foi uma mostra esgarçada, entre o vazio e o cheio e capaz de conseguir algo pouco provável: desagradar a gregos e troianos.Agora, encerrando a década, teremos outra mostra que flerta com o político, sem radicalismos. Com altos e baixos, como todas as bienais, mas realizada em tempo recorde e sem maiores percalços. A pena é que ao invés de estimular o debate sobre a arte, suas instituições e objetivos (algo cada vez mais necessário), as discussões sobre a 29.ª mostra continuaram distantes de qualquer reflexão sobre arte. O escândalo infundado na defesa dos urubus, que devem estar em condições piores agora em suas celas no zoológico, e os debates sobre as obras mais polêmicas - os desenhos de Gil Vicente matando políticos e a instalação do argentino Roberto Jacoby - nem de longe trataram do que realmente essas obras estavam fazendo ali.

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