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O Brecheret que está nas ruas de São Paulo

ARTIGO José de Souza Martins

Por Agencia Estado
Atualização:

Meu primeiro encontro com Brecheret ocorreu em 1950 e seria a coisa mais estranha se eu fosse adulto. Autor de marcos que identificam São Paulo PAULISTANO: O escultor Victor Brecheret nasceu em São Paulo, no Jardim América, em 22 de fevereiro de 1894, filho de italianos. Em 1913 foi para Roma aprimorar-se nas artes. Ficou até 1919. Voltou ao Brasil, mas já em 1921 foi continuar os estudos em Paris. Participou da Semana de Arte Moderna de 1922 a distância, com obras expostas no saguão do Teatro Municipal. Ficou na Europa até 1935. A fase brasileira vai dos anos 40 aos 50. Boa parte das obras instaladas em áreas públicas que hoje identificam a cidade foi feita por ele, como o Monumento às Bandeiras e a escultura de Duque de Caxias. Brecheret morreu em 1955. Mas eu era criança e tinha, portanto, a liberdade de ficar na ponta dos pés para olhar por um pequeno buraco do tapume batido pelo tempo e ver o que havia do outro lado. Várias vezes eu tentara encontrar um jeito de espiar lá dentro. A Praça Princesa Isabel era linda, mas aquele tapume feio destoava das árvores antigas, plátanos, creio. Eu vinha do subúrbio duas vezes por semana para as aulas de inglês e datilografia na escola de uma senhora alemã que vivia num palacete antigo na esquina da praça com a Rua Guaianases. Finalmente consegui ver algo, era de bronze, parecia o peito de um cavalo. Ou a anca? Só fui ver o monumento inteiro 15 anos depois, já estudante na USP, quando passei casualmente por lá. Era mesmo um cavalo e nele montado o Duque de Caxias. Mas o cavalo era imponente, muito mais ducal do que o duque. Só mais tarde fiquei sabendo que duas esculturas de mulheres nuas que vira ocasionalmente, desde pequeno, na Galeria Prestes Maia, também eram de Brecheret. Foram as primeiras mulheres que vi nuas, metálicas, num belo colorido de bronze, quebrando a correria e a rotina dos pedestres da cidade. Vistas pelo canto do olho dos apressados, diziam aos desumanizados pela pressa que gente é gente. Sebastião Moreira/AE"Figura Feminina", de Victor Brecheret, no Cemitério do Araçá, trabalho que garantiu a bolsa de estudo em Paris para o escultor Um dia, atravessando pela calçada errada o Largo do Arouche, vi fascinado, no meio das plantas, Depois do Banho, mulher nua, de bronze, repousando sob fingido sol na São Paulo ainda fria e garoenta. O Monumento às Bandeiras eu conheci através dos postais que o difundiram pelas papelarias e bancas de jornais na época do quarto centenário da cidade. Achei-o feio, visto desse modo. Esquisito mesmo. Só uns 15 anos depois, quando fui morar no Planalto Paulista, pude vê-lo diretamente, de vários ângulos, de perto, em diferentes dias e noites em que por lá passei. Pude entender os versos de Paulo Bonfim: ?Mestre-de-campo Victor Brecheret comanda seus mamelucos de granito.? Bem mais tarde associei o monumento à descrição da expedição de Teotônio José Juzarte a Mato Grosso, no século 18. Com certeza os cavalos estão de mais, são excessivos, num tempo em que cavalos não eram usados nessas viagens de conquista. Mas é compreensível que estejam ali na celebração do épico, animais épicos que são. Como aqueles cavalos em relevo, do mesmo Brecheret, na fachada do Jockey Club, que passei a ver desde quando a USP se mudou para a Cidade Universitária e o roteiro de minha ida ao trabalho também mudou. Sebastião Moreira/AEDuque de Caxias, de Victor Brecheret, na Praça Princesa Isabel No meio tempo, desenvolvi a mania de levar meus alunos aos cemitérios, para estimulá-los a ?lerem? a cidade em que vivem. Os mortos têm muito a dizer. Fui descobrindo outros Brecherets: no da Consolação, a comovente alegoria da dor e da separação no túmulo de dona Olívia Guedes Penteado, mecenas das artes. No Araçá, o triunfo alado da poesia no túmulo da poetisa Francisca Júlia da Silva, escultura que o senador Freitas Vale, também mecenas, mandara erguer. Foi a obra que garantiu a Brecheret a bolsa de longos anos de estudo em Paris. Uma última descoberta foi quando me mudei para a Vila São Francisco, na divisa de Osasco, literalmente fundos da USP, no início dos anos 70. Numa caminhada de reconhecimento pelas ruas do bairro, enveredei pela Rua Martin Luther King, uma rua de terra. Em frente ao Clube de Golfe São Francisco, um casarão no fundo de um gramado, que tinha no meio uma escultura de bronze. Não conseguia distinguir bem a figura pelo portão apenas ligeiramente aberto. Mas já podia dizer que podia ser um Brecheret. Só há pouco tempo fiquei sabendo que era: Vendedora de Flores. Brecheret foi o maior jardineiro de São Paulo: semeou esculturas por toda parte. Sebastião Moreira/AE"O Sepultamento", de Victor Brecheret, no túmulo de Olivia Guedes Penteado, no cemitério da Consolação

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