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O breakfast

O sucesso dos Estados Unidos nas Olimpíadas se deve, antes de mais nada, ao “breakfast”. Os americanos são o que são porque não quebram o jejum, simplesmente, ao acordar. Estraçalham o jejum. Todas as conquistas americanas, inclusive as esportivas, se devem ao fato da sua civilização ser a primeira na história a conseguir comer ovos, bacon e panquecas com melado de manhã. Os ingleses comiam peixe frito, por isso tinham perdido seu império americano. Os índios comiam nacos de búfalo. Os mexicanos suas ralas tortilhas com pimenta. Nenhum deles poderia deter a força do leite integral. Os rifles de repetição ajudaram, mas os verdadeiros conquistadores do oeste americano foram os grandes breakfasts. Os Estados Unidos são a prova inquestionável de que caloria é destino.

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Por Luis Fernando Verissimo
Atualização:

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Os Estados Unidos passaram boa parte da sua história na ilusão de que eram uma criação do iluminismo europeu, um produto não do crasso mercantilismo ou do feio imperialismo, mas das melhores intenções da Europa. Desde sua origem como nação, existe esta consciência da América como uma experiência social, uma depuração dos ideais democráticos que o velho mundo, viciado, não deixava crescer. Todos os mitos que têm formado a autoestima americana desde então – o da terra da oportunidade, o do cadinho de raças, o do altruísmo na conquista e tolerância na vitória – partem desta primeira ideia da América como um novo começo, uma Europa regenerada, salva dos pecados da história. O breakfast com bacon e melado juntos é um símbolo dessa ruptura.

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Dos 70 e poucos americanos que se reuniram na Filadélfia para debater a primeira Constituição democrática da história, a grande maioria era de homens de negócio, proprietários rurais e donos de escravos, o que não os impediu de escrever a “Bill of Rights”, que definia para sempre os direitos iguais de todos os cidadãos e seria a inspiração para a Declaração Universal dos Direitos do Homem. É verdade que se passaram quase 170 anos antes que os direitos “autoevidentes” da “Bill of Rights” fossem assegurados a todos os americanos, independentemente de raça, por uma interpretação algo tardia da Suprema Corte. E que questões como o condicionamento social do direito à propriedade não foram sequer tocadas na Constituição americana, cuidadosamente redigida para proteger a aristocracia rural de qualquer desafio aos seus direitos divinos. E que até hoje, embora a aristocracia rural americana tenha seguido o caminho da “landed gentry” inglesa para a irrelevância, a questão da propriedade nunca entrou no debate político dos Estados Unidos. Mas a “Bill of Rights” está lá, como uma promessa. 

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Uma promessa de quê? De uma sociedade inédita como seu breakfast e virtuosa como seus primeiros sonhos. No final de O Grande Gatsby, Fitzgerald evoca o sonhado país novo que se enredaria nas suas intenções e contradições. Descreve a costa leste americana, “a fronte verde e fresca do novo mundo”. Suas árvores desaparecidas “um dia tinham se oferecido com sussurros ao último e maior de todos os sonhos humanos: por um momento transitório encantado o homem deve ter prendido a respiração na presença deste continente, compelido a uma apreciação estética que ele nem compreendia ou desejava, cara a cara pela última vez na história com algo comensurável à sua capacidade de se maravilhar”. Para Fitzgerald, o “futuro orgástico” perseguido por Gatsby e as promessas da época tinham se esvanecido “na vasta escuridão além da cidade, onde os campos soturnos da república se estendem sob a noite”. E o momento encantado não voltaria mais.

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