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O Brasil Colonial nas tintas de um jovem austríaco

Livro reúne 796 imagens entre paisagens rurais e urbanas pintadas entre 1817 e 1818 por Thomas Ender, jovem vienense cuja obra é comparada à de Debret

Por Agencia Estado
Atualização:

Uma das principais coleções de imagens brasileiras do início do século 19 acaba de chegar ao público brasileiro nos três volumes de Viagens ao Brasil nas Aquarelas de Thomas Ender. São 796 imagens entre paisagens rurais e urbanas, cenas do cotidiano e retratos de pessoas e objetos de uso caseiro pintadas entre 1817 e 1818 e guardadas, desde a década seguinte, no Gabinete de Gravura da Academia de Belas-Artes de Viena. O autor era então um jovem artista plástico vienense, que veio ao Brasil na comitiva científica que acompanhava a arquiduquesa Leopoldina, filha do imperador Francisco I, casada com o príncipe herdeiro de Portugal, dom Pedro. Thomas Ender era e é até hoje mais falado do que conhecido no Brasil. Há relatos de sua passagem pelo País, mas toda a sua obra, aquarelas sobre papel, voltou para a Áustria. Daí a importância da coleção, que reúne todos os seus trabalhos pela primeira vez. Por causa da fragilidade do suporte, mesmo em Viena, os quadros são pouco mostrados, mas sua obra é comparada, em importância, à do francês Jean-Baptiste Debret, que veio para o Brasil na mesma época, com a Missão Francesa. Visitas de comitivas artísticas e científicas ao Brasil na primeira metade do século 19 eram comuns. Com a vinda da família real portuguesa o País se abrira ao mundo e despertava curiosidade. Apesar de mais curta e com objetivo diferente, a missão austríaca foi tão importante quanto a francesa. "A diferença é que, enquanto Debret era um homem maduro desiludido e sem muitas perspectivas, Ender era um jovem e promissor artista e a viagem ao Brasil foi seu primeiro trabalho profissional", diz Júlio Bandeira, autor de parte dos textos dos livros e curador dos Museus Castro Maya, não por acaso guardião da maior coleção pública de Debret. "No caso de Ender, ele veio reproduzir as paisagens, a fauna e a flora brasileiras e seu trabalho era mais descritivo que artístico. Naquela época, era comum artistas acompanharem essas missões, já que não havia ainda a fotografia para esse tipo de registro." Etapas - Em sua viagem, Ender preocupou-se em documentar minuciosamente cada etapa da viagem, desde a saída do Porto de Trieste, hoje na Itália e então parte do Sacro Império Romano-Germânico, até sua chegada ao Rio, além de uma viagem à Serra da Estrela, no interior de São Paulo. Essas aquarelas são mais raras ainda pois há poucos registros da paisagem paulista no período colonial. "Viajantes estrangeiros, como Ender, foram os primeiros a nos revelar nossa face, pois até a chegada deles, no início do século 19, quase não havia imagens do Brasil", ensina Bandeira. "Hoje, essa iconografia está popularizada e valorizada no mercado. As grandes casas de leilão a classificam como topografia e não como obras de arte. No entanto, essa diferenciação não era corrente naquele período." O projeto da coleção de três livros em encadernação de luxo vem de 1997, quando o editor José Paulo Soares entrou com a proposta na Lei Rouanet. De lá para cá, foram quatro viagens à Áustria para fotografar as 796 aquarelas, com o cuidado de reproduzir as cores com exatidão. Os textos explicativos foram encomendados a Júlio Bandeira e ao diretor da Biblioteca e do Gabinete de Gravura da Academia de Belas-Artes de Viena, Robert Wagner. Eles relatam a viagem acrescida de uma pequena biografia de Ender, apresentam um painel da sociedade brasileira no início do século 19 e reavaliam a importância da princesa Leopoldina na história. Casada por procuração, adorava o Brasil, mas não foi bem recebida na corte e morreu aos 26 anos, vítima de uma gravidez interrompida. Povoados rurais - Pelos quadros de Thomas Ender, o Rio era pouco mais do que uma vila cercada de densa mata e bairros como o Catete (na zona sul) e Riachuelo (zona norte) eram povoados rurais. Os escravos circulavam seminus pelas ruas do centro, onde a população branca fazia raros passeios. São Paulo não era muito diferente, como mostram as inúmeras paisagem de Guaratinguetá, cidade localizada na Via Dutra, às margens do Rio Paraíba. A capital ainda podia ser vista inteira do alto da Serra da Estrela. Os livros são organizados em ordem cronológica. O primeiro traz imagens da viagem, o segundo atém-se às aquarelas feitas no Rio e o terceiro mistura reproduções de flora brasileira e paisagens paulistas. Viagens ao Brasil nas Aquarelas de Thomas Ender tem tiragem de 4 mil exemplares, metade destinada os patrocinadores (Petrobras, Banco BBA e Prefeitura do Rio de Janeiro), bibliotecas e instituições públicas. O restante será vendido em livrarias por R$ 295, a partir deste ano.

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