"O Boulevard do Crime" sai em DVD duplo

Eleito o melhor filme francês de todos os tempos, obra de Marcel Carné chega ao formato digital recheado de extras, em lançamento da Versátil

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Por Agencia Estado
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Foram exatamente cem eleitores, recrutados no ano (1995) em que se comemorava o centenário do cinema. Críticos, diretores, atores e técnicos de diversas áreas escolheram O Boulevard do Crime, de Marcel Carné, como o melhor filme francês de todos os tempos. Pense no que isto significa: os maiores filmes de Robert Bresson, Jean Renoir, Alain Resnais, Jean-Luc Godard e François Truffaut foram lanterninhas na corrida olimpicamente vencida por Les Enfants du Paradis (título original da produção de 1945). O filme está agora disponível em DVD duplo da Versátil, que adquiriu os direitos da empresa Pathé Archives, produtora original e responsável pela restauração realizada em 1991. São dois discos digitais, que incluem, além do próprio filme, com mais de 3 horas de duração (190 minutos), trailer, galeria de fotos, desenhos de produção, biografias, filmografias, críticas e o que talvez seja o extra mais interessante de todos: um breve resumo e a filmografia básica do que se tornou conhecido como "realismo poético francês", uma tendência, para não dizer escola, baseada no artificialismo cênico e da qual o diretor Carné e o roteirista Jacques Prévert foram as figuras mais importantes. Pouca gente duvida que O Boulevard do Crime seja um grande filme, mas sua grandiloqüência poética, certa lentidão narrativa e o próprio estilo de interpretação dos atores o tornam uma obra especial, destinada ao paladar de poucos. Só que esses poucos não são tão reduzidos assim. O Boulevard do Crime atingiu um público fiel e respeitoso ao ser (re)lançado em cópias novas pela Pandora, no começo do ano. E há esse extraordinário reconhecimento dos franceses em relação ao filme que, para eles, melhor representa a identidade artística nacional. Talvez esse reconhecimento tenha a ver com as condições em que o filme foi feito. O Boulevard do Crime foi rodado na França ocupada pelos nazistas. Foi feito de forma (quase) clandestina, em estúdios improvisados. Nas entrelinhas da história de amor entre o mímico Baptiste e a atriz Garance, percebe-se uma tentativa libertária de celebrar o espírito francês justamente num momento em que a glória nacional era aviltada pelos ocupantes. O próprio título original, Les Enfants du Paradis, refere-se ao povo que era marginalizado nos grandes teatros, tendo de contentar-se em ocupar os "puleiros" do último andar para saudar os artistas de sua preferência. O título no Brasil, O Boulevard do Crime, refere-se ao cenário da ação, o Boulevard du Temple, em Paris, por volta de 1830, no qual se concentravam os teatros e cabarés, a vida boêmia em geral. É aí que Baptiste ama Garance em silêncio e a trama de amor e ódio envolve várias outras figuras: o ator Fréderic Lemaitre, que também deseja Garance, Natalie, apaixonada por Baptiste, e o bandido-filósofo Lacenaire, que representa, na ótica poética de Carné e Prévert, o mal. Essa discussão sobre o mal é decisiva num filme que não deixa de tratar, mesmo que em filigrana, da ocupação da França pelos nazistas. E o mais complexo é que, sendo um filme sobre um mímico, ou seja, um homem que prescinde da palavra para expressar-se no palco, O Boulevard do Crime faz largo uso de diálogos literários, criando um efeito artificial realçado pela empostação dos atores. Isso não quer dizer que o filme não seja verdadeiro. É próprio da grande arte recorrer às vezes ao artifício para discutir a verdade. É uma linha que abrange filmes tão diversos quanto Lola Montès, de Max Ophuls, E la Nave Va, de Federico Fellini, e Moulin Rouge, de Baz Luhrmann. Arte e realidade, teatro e vida, esses dois planos estão sempre dialogando (ou tensionando-se). Existem os espetáculos montados dentro do filme e os dramas que os atores vivem entre eles. Baptiste, por exemplo, sente-se mais livre para declarar seu amor por Garance no palco. E se o amor idealizado for o tema de Carné? O Boulevard do Crime (Les Enfants du Paradis). França, 1945. DVD duplo da Versátil. Nas locadoras, preço sugerido: R$ 77,50.

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