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O bonde de Stevie Wonder

Cantor fala ao ‘Estado’ sobre novos discos, terrorismo, Obama e biografias não autorizadas

Por Jotabê Medeiros
Atualização:

Este ano, Stevie Wonder chega um pouquinho antes do Natal. Um dos mais revolucionários autores da música contemporânea desembarca no dia 7 em Brasília (toca pela primeira vez na cidade), e depois, no dia 14, vem a São Paulo (no ano passado, foi ao Rio, onde fez show no Natal, na Praia de Copacabana, para 500 mil pessoas) para cantar no Campo de Marte, no Circuito Banco do Brasil.“Eu sempre me divirto no Brasil. Aquele show em Copacabana foi um dia maravilhoso. Foi fantástico poder celebrar o Natal no Brasil, com Gilberto Gil, e poder me comunicar com tanta gente, tendo meus filhos comigo, minha família”, disse o cantor, falando ao Estado por telefone na noite de quarta-feira. Como tem um tempo livre entre um show e outro, ele revela um sonho: “Gostaria de poder voltar à Bahia. Estive lá em meados da década de 2000, para uma conferência, e desde então eu sempre penso em voltar a Salvador”.E o que Stevie Wonder traz de novo ao País? Bom, Stevie Wonder é a própria expressão do novo, mas ele também traz consigo um comboio de boas notícias. A primeira delas é que, após oito anos sem fazer discos, tem logo dois engatilhados. O primeiro deve sair em setembro e tem o título de When the World Began, no qual pretende retrabalhar versões de seus hits com a Orquestra Filarmônica de Londres (com produção de David Foster). O segundo disco que Wonder vai lançar no ano que vem é Ten Billion Hearts, de inéditas. Planeja ainda cumprir uma promessa que fez a sua mãe, Lula, que morreu em 2006: gravar um disco inteiro de canções gospel em memória dela. Tem o título de Gospel Inspired by Lula. Logo após cantar no Brasil, Stevie Wonder volta a Los Angeles e, no dia 21 de dezembro, em seu concerto beneficente anual, realiza o sonho de milhões de steviewondermaníacos pelo mundo todo: toca inteirinho um de seus maiores clássicos, o álbum Songs in the Key of Life, de 1976.Trata-se de uma das obras mais influentes da música nos últimos 40 anos, com obras-primas como Village Ghetto Land e Another Star. Ele canta ali com arranjos que influenciaram toda a música negra norte-americana, músicas acerca de sua infância (I Wish e Easy Goin' Evening), seus heróis (Sir Duke) e o nascimento da filha (Isn't She Lovely?). Stevland Hardaway Morris, o Stevie Wonder, está com 63 anos. Mais roliço, os cabelos brancos já contaminam seus dreadlocks e sua voz está mais envolvente e melódica que nunca. Uma força da natureza.Ouvi que você tem diversos projetos novos para 2014, como o disco When the World Began. No que consiste esse projeto?É algo que eu estava muito relutante em tentar: gravar meus maiores sucessos com uma moderna orquestra em Londres. Por muito tempo, disse não a esse projeto, porque tinha uma ideia de pureza associada a meu repertório. Mas, quando estivemos juntos pela primeira vez, desafiei a mim mesmo. Aceitei o desafio de fazer os arranjos, de fazer minha música de um jeito diferente, com uma abordagem diferente. Vamos ver como vai funcionar. Além dos meus grandes hits, haverá no disco duas canções novas: When the World Began e Living for a Good Life.E o projeto Ten Billion Hearts, do que trata?Ten Billion Hearts é uma música que compus para um documentário. Ela me fez voltar a algumas reflexões sobre o planeta, e isso foi deflagrado no momento em que aconteceu o terremoto e o tsunami no Japão. Eu li que, na metade desse século, nós seremos 10 bilhões de pessoas vivendo no planeta, e imaginei quão maravilhoso seria se pudéssemos viver com uma preocupação maior com as coisas que temos de preservar para a vida prosseguir acontecendo. Se todos nos comprometêssemos uns com os outros, se deixássemos de lado o ódio e o preconceito, quão maravilhosa seria a Terra. Mas a verdade é que estamos destruindo o planeta, a harmonia das coisas, com armas de destruição em massa, guerras. Precisamos de mais controle sobre essas coisas. É disso que eu falo, basicamente do tema da sobrevivência.No próximo dia 21, em Los Angeles, você vai tocar inteiro o seu maior clássico, Songs in the Key of Life, de 1976, durante um show beneficente. Pretende tocar as 21 músicas na ordem em que foram gravadas?Na ordem eu não sei. Vou tocar as 21 canções, isso é certo. Mas vou alternar sua execução. Por exemplo, após cantar Ordinary Pain, vou cantar Saturn. Depois, vou cantar Black Man e seguir com All Day Sucker, para depois iniciar Easy Goin' Evening (My Mama's Call). Estou muito animado em fazer esse disco inteiro no palco com músicos originais daquela época da gravação e também com novos músicos. Esse álbum descreve minha vida naquele momento e mostra o significado de cada etapa que eu vivenciava.E o disco para sua mãe?Deve sair em setembro, logo após When the World Began. São canções religiosas, e o nome do álbum será Gospel Inspired by Lula.Como viu o atentado praticado em Boston por dois jovens durante uma maratona?Acho que é algo terrível. As pessoas estão fazendo esse tipo de coisa nos Estados Unidos, no Quênia, no Oriente Médio. Alguns deles dizem que falam em nome de Alá, mas não se pode amar um Deus que se expressa pela maldade. Não se pode curar a dor com mais dor. Há novos extremistas surgindo aqui e em todo lugar, e isso é terrível. Cada líder do mundo, seja espiritual, social ou político, tem de vir a público dizer que isso é inaceitável, que basta. Não se pode mais tolerar isso.Você milita contra o comércio livre de armas na América.É acessível demais. Gente com saúde mental complicada compra armas. Recentemente, um agente do Estado norte-americano, cuja saúde mental já tinha sido objeto de alarme, entrou num prédio público com uma arma e atirou lá de cima das escadas, matando gente inocente. Foi horrível. Honestamente, alguém poderia ter prevenido aquilo. E ainda assim as armas são vendidas livremente, sem controle, e isso é inaceitável. Algumas pessoas nunca vão entender. Não gosto da ideia de punição, mas algo deve acontecer, deve-se começar a responsabilizar para que as pessoas enxerguem que mais armas não são a solução.Você foi muito importante na eleição de Obama. Está feliz com o governo dele?Vivemos um momento muito intenso no mundo, que nos coloca frente a decisões desafiadoras. Estou feliz com Obama. Sei que há uma luta no Brasil neste momento em relação à saúde, e estamos enfrentando também algo nessa área, que é o Obamacare (o plano de Obama para a saúde da população). É um plano muito controverso. Sempre há gente me perguntando o que acontecerá - porque eu, viajando pelo mundo, em lugares onde há o plano de saúde gratuito do Estado, deveria saber. Não sei qual é a fórmula ideal, mas acho que tudo é negociável, conversável.Aqui no Brasil há uma grande discussão no momento: muitos artistas querem que haja autorização prévia para que alguém publique uma biografia. Como você analisa isso?Há muitas biografias nas quais as pessoas leem aquilo que não é necessariamente verdade sobre o artista. Muitos livros que foram escritos sobre mim não foram feitos com minha aprovação. Mas acho melhor ter algo não autorizado publicado sobre alguém do que cercear a liberdade de escrever. Por outro lado, acho importante que o artista se dedique a escrever o que de fato aconteceu, para que não se propaguem as falsas versões.A lista de parceiros em sua carreira é espantosa, vai de Babyface a Andrea Bocelli, de Justin Bieber a Drake, de Tony Bennett a Gilberto Gil. Ter relações é uma coisa boa. É fantástico que tenhamos a capacidade de colaborar com outros artistas, isso nos dá uma boa experiência. Quando eu era mais jovem, minha mãe me pôs em contato com a música de Bing Crosby, e mais tarde eu tive a sorte de contar com a ajuda de Smokey Robinson e Herbie Hancock e todos esses artistas me ajudaram a formar minha música, assim como o encontro com gente como Babyface. É muito bom ter a oportunidade de crescer com diferentes artistas.STEVIE WONDERCampo de Marte. Av. Santos Dumont, 2.241.Dia 14/12, 23h45 (shows a partir de 16h20).R$ 240. www.circuitobancodobrasil.com.br

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