'O artista só tem uma possibilidade: se arriscar', diz Zélia Duncan

Com 30 anos de carreira, cantora critica a busca por 15 minutos de fama e pede limitação da meia-entrada

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Por Mirella D'Elia
Atualização:

Muitos têm ideias mirabolantes quando um novo ano começa, mas poucos conseguem, de fato, colocá-las em prática nos 12 meses seguintes. Pois, para Zélia Duncan, 2013 já começou com a realização de um antigo desejo. A cantora encerrou ontem, no Sesc Pinheiros, temporada de duas semanas do show Tudo Esclarecido, com canções de Itamar Assumpção - ícone da vanguarda paulistana. "Itamar é profundo, é solar, é underground, é tudo. O rótulo de maldito não dá conta do leque de possibilidades que essa obra tem", diz.

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Convicta quanto ao que quer agora, não faz mistério sobre o futuro: pretende dedicar este e o próximo ano ao projeto. E a outro, que considera complementar: o espetáculo TôTatiando, baseado na obra do músico e compositor Luiz Tatit. Também fonte de inspiração da niteroiense de 48 anos, criada em Brasília, que passou temporada nos Emirados Árabes, vive no Rio e adora as referências de São Paulo.

Zélia Duncan, como gosta de dizer, é misturada. Uma mulher de fases "aglutinadas", nas palavras da própria. E sem medo de se arriscar. "Quando erro, caio com a cara no chão porque jurava que era um grande acerto".

Leia abaixo a entrevista que a cantora concedeu à coluna, por telefone.

Por que começar o ano cantando Itamar Assumpção?

Zélia Duncan - É um dos meus maiores ídolos, sua música está perto de mim desde sempre.

Ele sempre teve fama de "maldito", isso incomoda?

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Zélia Duncan - O rótulo é que é maldito. Ele tinha lá suas intensidades, profundidades, paradoxos. Ao mesmo tempo, tinha uma característica extremamente popular e algo que puxava para o underground. Mas isso não quer dizer uma maldição, é uma característica. A minha proposta é mostrar o lado solar dele, sem tirar sua profundidade. Ele é profundo, é solar, é underground, é tudo. O rótulo de maldito não dá conta do leque de possibilidades que essa obra tem.

Você já tinha gravado 11 músicas do Itamar antes. Agora sua missão está cumprida?

Zélia Duncan - A obra do Itamar é muito maior do que esse disco meu. Não considero minha missão cumprida porque não me impus a missão de revelar o Itamar, tenho a missão de me sentir bem com o que eu canto. Meu compromisso é com a minha vida artística.

De onde surgiu a ideia de homenagear Luiz Tatit? 

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Zélia Duncan - Comemorei 30 anos de carreira em 2011 e me impus três desafios: fazer o DVD Pelo Sabor do Gesto em Cena, gravado no Municipal de Niterói, onde eu nasci; fazer o TôTatiando; e gravar um álbum só com músicas de Itamar Assumpção. Tatit e Itamar se encontraram sem querer, mas agora um dá força para o outro. São trabalhos complementares, que vão caminhar juntos pelos próximos dois anos. Esses dois projetos são preciosos e acabaram de nascer. É muito trabalho para digerir e mostrar. Pretendo carregar comigo esses dois autores incríveis. Já carrego há 30 anos, carregar por mais dois vai ser tranquilo.

TôTatiando é teatro ou show? 

Zélia Duncan - Adoro jogar essa dúvida na tua mão. Tive a necessidade de ir para espaços de teatro porque, primeiro, ele é um espetáculo e não um show pop. Eu não estou com a guitarra na mão, com a minha banda, as pessoas não estão cantando. E tem uma parte extremamente teatral.

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Você fez teatro?

Zélia Duncan - Eu fiz a CAL, logo que cheguei ao Rio. Não queria pensar só em música para não fica louca. É uma obsessão. Intuitivamente, queria abrir o leque. Eu me apoio na música para fazer o que conheço pouco - atuar.

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Você pensa em atuar profissionalmente?

Zélia Duncan - É difícil dizer, mas, se aparecer algo que me arrebate.... Já disse muitos "nãos" e alguns "sins" bem esquisitos, tipo cantar com Os Mutantes. Esse mesmo sim estou dando para o teatro. Um jornalista me perguntou: "Por que isso agora?" Agora para mim é enquanto estou viva. Vou seguindo a maré por uma obsessão de manter o frescor no palco. O artista só tem uma possibilidade na vida, que é a de se arriscar. E quando não se arrisca, está se arriscando mais do que qualquer coisa. É o risco de ficar parado, de parar de crescer. A vida é dura, para conseguir um espaço é difícil. Então, as pessoas naturalmente querem se manter seguras. Mas isso escorre pelos dedos. O meu álbum se chama Pelo Sabor do Gesto porque eu já estava querendo dizer isso, aquele sabor da menina que morava em Brasília e sonhava em ser cantora. O TôTatiando me devolve isso, é uma aventura.

Você saiu da zona de conforto?

Zélia Duncan - Totalmente. Estou dando a cara a tapa, mas não sou idiota, me cerquei de pessoas incríveis para poder arriscar. Você tem que se arriscar e eventualmente, errar, achando que está acertando. Errar desconfiada que estava errando é uma burrice. Quando erro, caio com a cara no chão porque jurava que era um grande acerto, entendeu?

São Paulo tem uma grande influência na sua obra.

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Zélia Duncan - Desde nova, ouvia o que vem de São Paulo. Tem muita gente que acha que sou de São Paulo, às vezes acho que eu sou. Isso me dá uma certa particularidade. Uma pessoa que nasceu em Niterói e foi criada em Brasília já é uma pessoa cuja identidade está meio balançada. Eu me sinto um pouco múltipla.

Quem são seus maiores ídolos no Brasil?

Zélia Duncan - Primeiro tem Rita Lee - o primeiro LP que eu ganhei, Tutti Frutti. Maria Bethânia - cantava com sotaque baiano por causa dela. Também ouvia Elis Regina o dia inteiro, tive uma fase blues, uma fase Milton Nascimento, uma fase Caetano. Minha formação é bagunçada, mas adoro isso. Sou de fases, mas, na verdade, vou aglutinando essas fases.

O que você acha do cenário atual da música brasileira?

Zélia Duncan - Sempre houve, paralelamente ao que as pessoas consideram uma boa música, a música duvidosa. Sempre tivemos artistas que diziam que era para ganhar dinheiro. Isso é um pouco cretino, mas não me incomoda, o que me incomoda é a superfície em que a gente fica.

Como assim?

Zélia Duncan - Tem esse lance dos 15 minutos de fama, estamos vivendo os 5 minutos de fama. Tem gente que é famosa há tantos anos e você não sabe por que. Hoje, a plateia mudou de atitude, acha que é um artista em potencial porque qualquer um pode gravar um disco em casa. Não sinto mais uma plateia totalmente isenta. O que adianta fazer a música mais linda do mundo se você não ouvir? Isso significa que você é 50% do que eu faço. No entanto, o cara não está satisfeito com isso, ele também quer fazer o que eu faço.

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Isso é bom ou ruim?

Zélia Duncan - Muito ruim. A fama é um negócio sedutor. Hoje em dia, todo mundo pode, entre aspas. Você faz um ‘disquinho, se apresenta em um lugar, faz um site lindo na internet. Ao mesmo tempo que a internet pode ser vista pelo lado legal, de democratizar, ela dilui terrivelmente, entre artistas e não artistas, o que você quer ouvir.

Como é sua relação com a plateia?

Zélia Duncan - Eu acho uma pena que a maioria da plateia de hoje não entenda como é bacana ouvir. É preciso que você fique quieto para ouvir. As pessoas vão para o show hoje em dia e dizem: "Me divirta!" Não entendem a parte delas naquilo. Um colega meu já disse uma vez que cada público tem o show que merece. O silêncio também é uma participação. É óbvio que eu adoro ouvir todo mundo cantando as minhas músicas comigo, mas acho que existe hora certa para isso. A desatenção, a distração contemporânea e o excesso de informação me afligem um pouco.

Você se irrita com as pessoas filmando ou tirando fotos nos seus shows?

Zélia Duncan - Eu lamento. É louco entrar num show se sentindo tão na obrigação de compartilhar aquele show. Tem coisas que é preciso guardar na emoção, não adianta. Quando você vai ver um show, uma peça, e está filmando, está abrindo mão de uma experiência única. O que você vai filmar não é o que você viu.

O que você está ouvindo em casa agora?

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Zélia Duncan - Tenho ouvido vinil em casa com um prazer impressionante. Comprei uma pick-up nova. O vinil que se preza é velho, mas agora tem uns novos. A Fernanda Takai me deu o dela, da Nara Leão, é uma delícia. A Fernanda e o Pato Fu, aliás, ouço sempre. Os meus contemporâneos também, assim como o novo disco da Tulipa Ruiz. Também ganhei, aí em São Paulo, o disco do 5 a Seco, um grupo de jovens bem divertido, influenciado pela minha geração. Esses garotos são muito interessantes.

Concorda com a limitação da meia-entrada?

Zélia Duncan - Plenamente. Mesmo porque etade dos meus amigos tem carteira falsa. Juro. Pronto, falei. Acho que em lugar nenhum se paga tanta meia-entrada quanto em cultura. Por quê? A gente rala à beça. Quando vejo um ingresso com preço alto, lembro que tem a meia-entrada, mas que a nossa folha de pagamento é enorme. Quando vamos ao supermercado, pagamos meia- carne? Não, não pagamos metade por nada. E por que quando vamos ao teatro queremos pagar a metade? Acho que é justo ter preços mais acessíveis, ter uma cota para estudantes e idosos, mas isso virar uma regra, não me parece justo.

O que é sucesso para você?

Zélia Duncan - Sucesso é fazer, é realizar o seu desejo. Aliás, ter sucesso na vida é realizar o seu desejo. E pagar as contas com isso.

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