O aniversário de Anmargareth

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Por Agencia Estado
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Ela já nasceu com nome de artista, e dizem que já passava óleo de ovo no cabelo desde pequena . Sua mãe argumentava que era para dar força e depois Anmargareth descobriu que era só para clarear. O sonho de seu pai era ter uma filha loura e com esse nome . E assim dando espaço para agradar o outro, Anmargareth foi criada. Aprendeu piano porque a mãe queria ter aprendido, e a recitar porque a madrinha achava muito bonito. Tornou-se praticamente obesa aos dez anos, mas nunca adoeceu, se envaidecia a avó, que ajudara a cuidar dela desde cedo. E assim gorda e de cabelo clareado Anmargareth chegou aos catorze anos, perto de completar quinze. Na escola era amiga de todo mundo, era mesmo super legal , convidada para todas as festas, confidente das meninas e dos meninos, era quem resolvia quem ia namorar com quem. Até aí não tinha arranjado nenhum namorado, mas não parecia se importar com isso, apesar de muito jovem já tinha aprendido a primeira lição de gordo: Quando doer, finge que não esta sentindo, que a dor fica sem graça de doer. Então Anmargareth não se incomodava . Substituía a vergonha do seu peito ser quase do tamanho do seu estômago, por um jeito de :_ eu nem ligo...e quanto ao tamanho das suas coxas que não cabiam nas calças compridas, pensava sempre que ela ainda ia crescer, que sua mãe dizia que ela ia espichar e que então suas pernas iam ficar altas feito de bailarina e então ela podia dormir. Seu Wiliam pai de Anmargareth , resolveu dar-lhe uma festa de quinze anos. Ele queria baile com valsa e se possível velas se ascendendo em cascata enquanto sua filha passasse. Autorizou a mulher a pagar vestido igual para todas as catorze meninas que dançariam a valsa e se prontificou a pagar o melhor buffet e o mais animado conjunto. Anmargareth assistia estes preparativos assustada, tinha um enorme medo que não sabia explicar, mas seus pais estavam tão felizes, e depois na escola não se falava em outra coisa, parecia que ia ser a festa do ano. Hora de escolher o modelo do vestido, e as coisas começaram a se complicar. Bordado não podia, babado nem pensar, não podia ter nem roda, tinha que ser seco e simples, dizia a modista entendida que a mãe de Anmargareth decidiu consultar. Parada num canto da sala ela ouvia as recomendações da modista e achou que seria melhor ir de calça jeans e camiseta, ou quem sabe nem ir e escolher viajar. Mas como se nem seu pai nem sua mãe nunca tinham tido uma festa de aniversário? Ela não tinha nada mesmo para argumentar.... Branco nem pensar ela ia ficar assim muito grande, quem sabe azul assim bem discretinho. Mas Anmargareth queria ir de Cinderela pensou rindo para dentro, de tubo azul bem discretinho não tinha mesmo nada a ver, mas... sua mãe estava tão empolgada.... Lá fora Anmargareth disse : _ Eu não gostei _Mas ela é super famosa _ Tá mãe mais eu não gostei _ Sabe que eu também não, mas ela sai até na revista, custa uma nota só para dar opinião. _ Mas eu não gostei, não dá para fazer o vestido com a D. Chiquinha, ela costura prá gente desde que eu era pequena? _Não sei é festa de quinze anos, não sei eu vou pensar.... Resolveram que o vestido deveria ser mesmo um tubinho azul discreto enquanto as meninas dançariam de vestido branco rodado. Disseram que era mais chique, que Anmargareth ia se diferenciar. Ela acreditou, porque é próprio do gordo acreditar. Gordo não levanta muitas suspeitas, não alimenta desconfortos, administra , releva deixa passar. Agora só faltava mesmo combinar a valsa, ensaiar as meninas e esperar a festa chegar. Aí surgiu uma questão que até então ninguém tinha se lembrado de pensar. Quem dançaria a valsa com Anmargareth? Quem seria o seu par? Ninguém tinha se preocupado com isso porque afinal ela tem tantos amigos, seu telefone não para, não faltaria quem quisesse ser seu par . O Paulo não pode , não vai dar, nem o João , nem o Guilherme nem o Francisco, ninguém queria dançar. Mas porque? que bobagem, que tolice, é só uma valsa, claro que vamos arranjar, dizia a mãe dela já preocupada. - Você não vai zangar-se comigo não é, é que não vai dar, me comprometi com a Marcinha.... E um por um dos seus grandes amigos foram tirando o corpo fora ninguém queria dançar, pelo menos com ela, ninguém queria dançar... Sentada na escada da sua casa ela se pensou como até então não tinha ousado. Seu sapato era maior do que o das outras meninas, sandália ela nunca podia usar, pés inchados e constantemente vermelhos eram feios de se mostrar. Sua barriga dobrava no cós das calças, debaixo do seu braço assava sempre no verão. Era verdade todo mundo adorava ela, mas ninguém o bastante para querer dançar sua valsa. Ninguém queria ser visto com ela, eles tinham vergonha do corpo com o qual ela tinha desde muito cedo decidido se acostumar. Pensou então em desistir da festa, da valsa, de tentar, mas eram seus quinze anos, lembrou do seu gordo pai, da sua mãe e da mercearia onde eles trabalhavam, de onde vinha todo o dinheiro que pagava a festa onde todos iam dançar. Então pensou , não, eu vou dançar, e não vai ser de tubinho, nem vai ser com ninguém que não queria dançar comigo. Negociou com a mãe a troca do vestido, e toda de branco esvoaçante como um personagem de desenho animado, Anmargareth dançou sozinha um ballet feito valsa que nem nos seus sonhos achava que algum dia ia ter coragem de dançar. E enquanto dançava e rodopiava levantando os braços pelo salão, descolou de todos um tal espanto, que as meninas largando seus Paulos, seus Pedros e Antoninos, saíram imitando ela, e começaram também a bailar, e a festa dos quinze anos de Anmargareth entrou para a história, como a chance que as mulheres enfim se deram, de não precisarem mais, serem tiradas para dançar.

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