O amor possível dos outsiders

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Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

A Itália termina sua participação em Veneza com um belo filme - La Solitudine dei Numeri Primi (A Solidão dos Números Primos), de Saverio Costanzo. É o quarto concorrente italiano na mostra principal e talvez seja o que tem mais chances de ganhar algum prêmio. Conta uma história de amor entre seres pouco adaptados às normas, Alice e Mattia. A trama os acompanha por 20 anos, da infância à juventude, e foi tirada de um romance famoso por aqui, de mesmo título, de Paolo Giordano. Um best-seller. Alice e Mattia (interpretados já adultos por Luca Marinelli e Alba Rohrwacher) têm sua vida reconstruída de maneira fragmentária. A ideia de Costanzo é mostrar com idas e vindas a trajetória dos dois outsiders, marcados por tragédias pessoais na infância - um tombo de esqui que deixou Alice com defeito numa perna, a perda da irmã gêmea num acidente por parte de Mattia. Costanzo evita a cronologia óbvia e aposta na fragmentação da narrativa. "O relato do livro é mais linear, mas preferi a alternância de tempos", diz o diretor. Outro motivo: "Como foi um livro muito lido, presumi que todos já conheciam a história; então me concentrei mais no "porquê" do que no "como"." Ou seja, conhecidos os fatos, busca a motivação dos personagens. O filme é também um tour de force dos atores. Marinelli engorda e Alba emagrece ao longo do processo. Como se suas tragédias pessoais se inscrevessem em seus corpos. Costanzo disse que insistiu nesse tipo de realismo porque "o corpo é o único elemento político-ideológico do mundo de hoje e a "destruição" do próprio corpo, a pequena revolução que alguém é capaz de fazer hoje em dia". Daí as tatuagens, piercings e outras intervenções no corpo. É o que também acontece no filme. Mattia corta sua pele à faca; Alice, além da cicatriz da cirurgia na perna, tem uma tatuagem que precisa remover. São as pequenas marcas revolucionárias do nosso pobre tempo. E o título? Expressa uma definição da aritmética. Um número primo é aquele divisível apenas por um ou por si mesmo; não é divisível por outros. Essa metáfora matemática serve para dizer que Mattia e Alice só podem esperar a salvação em si mesmos ou, melhor ainda, um do outro. Com tudo o que têm de patético, os dois personagens parecem também bastante comoventes.

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