O abre-alas da mostra

Manoel de Oliveira fala de O Estranho Caso de Angélica, que abre amanhã a tradicional maratona de cinema

PUBLICIDADE

Foto do author Ubiratan Brasil
Por Ubiratan Brasil
Atualização:

Manoel de Oliveira gosta de contrariar. Próximo dos 102 anos de idade (completa no dia 11 de dezembro), o cineasta português não só continua em atividade como mantém a pródiga média de um filme rodado por ano - o mais recente, O Estranho Caso de Angélica, abre amanhã, para convidados, a 34.ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, no Auditório do Ibirapuera. Ele seria o convidado de honra da cerimônia, mas, por conta da manutenção em seu marca-passo, o médico recomendou um descanso de oito dias. Mesmo assim, Oliveira não recusou o convite e virá para os últimos dias da Mostra, no final do mês. Em seu lugar no evento de abertura, estarão dois atores do elenco: Ricardo Trêpa, que também é produtor e neto do cineasta, e a brasileira Ana Maria Magalhães. Em comunicado ao evento, Oliveira disse sentir-se louvado e feliz por ter seu filme escolhido para abrir o evento.Não é a primeira vez que ele vem a São Paulo, mas O Estranho Caso de Angélica tornou-se particular em sua carreira. Planejado entre os anos 1949 e 1952, o filme não foi realizado por conta da censura fascista da época. "Era, para eles, algo como que fora do quadro, justamente o que o filme tinha de mais interessante", disse Oliveira ao Estado, em entrevista realizada por e-mail.Tal desajuste é simplesmente o que o longa tem de mais fascinante. Trata-se da história de Isaac (Trêpa), jovem fotógrafo que certa noite recebe uma ligação urgente de uma família rica para tirar a última foto de Angélica (Pilar López de Ayala), a filha do casal que morrera poucos dias depois de seu casamento. Ao focar a moça estendida em um divã, porém, Isaac leva um susto: apenas no visor de sua máquina fotográfica, a bela Angélica aparece viva e sorridente. É o suficiente para o rapaz se tornar obcecado pela moça, perseguindo aquela imagem na casa onde ela morava e também no túmulo onde foi enterrada.No momento em que a tecnologia cinematográfica avança a passos largos, Manoel de Oliveira persiste em novamente ser contrário e, para retratar o vulto revivido de Angélica, inspirou-se em técnicas ancestrais, da época do cinema mudo, no ilusionismo criado por Lumière, Méliès, Griffith. Assim, a moça é visualizada por meio de uma imagem levemente turva.Oliveira trata do assunto também no filme, especialmente no papel vivido por Ana Maria Magalhães, uma engenheira brasileira que defende uma tese sobre a antimatéria, embate da modernidade contra o antigo. Uma contradição, aliás, festejada pelo próprio Oliveira.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.