Nuno Ramos, e as inquietações de um criador grandioso

Ele vem aí com mostras, participação na 29.ª Bienal, livros... e abre as portas de seu ateliê

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Por Camila Molina
Atualização:

Nuno Ramos, um dos artistas mais produtivos do cenário contemporânio nacional, diz aos 50 anos, que 'se identifica com a vontade de totalização da vida'. Foto: André Lessa/AE

 

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Há três meses, durante todos os dias, o artista Nuno Ramos está imerso em um galpão na zona norte de São Paulo realizando a obra que ele considera ser, tecnicamente, a mais difícil de sua carreira. Fruto Estranho, trabalho protagonista da mostra, de mesmo nome, que ele vai inaugurar em 14 de setembro no Museu de Arte Moderna do Rio, é a criação de uma imagem forte, desconcertante, monumental.

 

Duas árvores têm, cada uma, carcaças de aviões monomotores da década de 1970 embrenhadas em seus galhos, formando dois conjuntos a serem cobertos por 4 toneladas de sabão. Ainda para completar, dos flamboyants saem tubos de ensaio de onde goteja soda cáustica (o "veneno" lido em poema do russo Alexander Pushkin) em contrabaixos transformados em pequenos poços de banha quente, abrindo, assim, espaço para mais saponificação. Somando tudo, são mais de 10 toneladas de obra, que na próxima semana, vai ser transportada em dois caminhões e três carretas para o Rio. Depois, serão mais 22 dias de montagem até a abertura da exposição.

 

"Esse trabalho tem uma força alegórica maior do que outras coisas que fiz", afirma o artista. "Parece uma espécie de acidente e tem opostos, uma coisa de movimento que parou. Me parece um pássaro que quer voar e por isso pus as asas dos aviões meio moles", ele continua. Já foi falado que Nuno Ramos está sempre à beira de um abismo por criar obras - geralmente, em grande escala - juntando elementos tão inesperados, imprevisíveis como vaselina, breu, areia socada, mármore, música, poesia e até animais.

 

Em Fruto Estranho - título inspirado na música Strange Fruit de Billie Holiday sobre negros mortos e que será cantada em vídeo no local expositivo com cena do filme A Fonte da Donzela, de Ingmar Bergman - prevalece, mais do que a imagem de fusão árvore/avião (espécie de "cópula"), as toneladas de sabão que vão materializar de forma extraordinária aquela cena em branco puro. "Para ser menos óbvio, há algo mais intenso que o sabão carrega, uma espécie de ciclo entre morte e vida, sujo e limpo, uma coisa orgânica feita através de operação química", descreve o artista.

 

Mais ainda, a mostra no MAM do Rio, com curadoria de Vanda Klabin, se completa com as obras Verme - formada por duas grandes esferas de areia socada de onde, por aberturas, saem a projeção de dois filmes, um com texto de Nuno encenado por atores da Companhia do Feijão e outro pornográfico misturando o gênero musical choro e sexo explícito - e Monólogo para Cachorro Morto, já exibida em Brasília. O investimento para a exposição, patrocinada pelo Bradesco Seguros, é de R$ 600 mil. Depois será lançado amplo catálogo.

 

Político. Aos 50 anos, Nuno Ramos resiste a qualquer classificação e é considerado, indubitavelmente, um dos criadores mais inquietos do cenário contemporâneo brasileiro. Está sempre a se renovar, a dar um giro a cada trabalho -, mas colocando ao mesmo tempo o lado sombrio da vida evidente em suas obras. "Meu lance é opor, criar ressurreição entre extremos. Me identifico com uma vontade de totalização da vida, em que o carnaval possa incluir a Quarta-Feira de Cinzas", define. Árvores com aviões e sabão falam de vida e morte, assim como os urubus da obra Bandeira Branca, que Nuno vai exibir no espaço de maior destaque da 29.ª Bienal de São Paulo, a partir de 25 de setembro, remetem ao luto. Com duas atuais exposições de impacto e com o lançamento de dois livros (leia mais acima), este é, enfim, um momento especial na carreira do artista, iniciada na década de 1980.

 

Sua participação na 29.ª Bienal é considerada por Nuno a mais importante de sua trajetória (esteve nas edições do evento em 1985, 1989 e 1994). "Já é um outro Nuno, senhor de tudo o que ele vem trabalhando", diz Agnaldo Farias, curador, ao lado de Moacir dos Anjos, da 29.ª Bienal. Bandeira Branca (sua primeira versão foi apresentada no Centro Cultural Banco do Brasil de Brasília) ocupará todo o vão central do pavilhão desenhado por Oscar Niemeyer, podendo ser olhada, assim, por três pavimentos do edifício e da rampa que une os andares. "É onde já estiveram Joseph Beyus, Tunga, Anish Kapoor", continua o curador.

 

No interior de uma grande área delimitada por uma rede, estarão três peças geométricas, três postes de areia negra, três urubus vivos em ambiente em que se ouve as músicas Bandeira Branca (cantada por Arnaldo Antunes), Carcará (por Mariana Aydar) e Boi da Cara Preta (por Dona Inah). "Os urubus ficam voando e parece um réquiem, bem calmo, na árvore do mau agouro, o Goeldi (artista) explícito", afirma Nuno Ramos. No fim das músicas, os três cantores se unem num coro que diz: "Nada é."

 

Esta obra potencializa a questão que a 29.ª Bienal quer tratar, a relação entre arte e política. "Penso que esse trabalho tem tudo a ver com uma espécie de anti-anos 50, uma pitada negativa naquele desenvolvimentismo", diz o artista, fazendo a relação da instalação de Bandeira Branca na emblemática arquitetura de Niemeyer daquele período. "Acho que é o que estamos vivendo de novo, um desenvolvimentismo cego, mais amplo, mais potente, com mais gente envolvida e mais cego", continua.

 

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Nuno, um artista das letras

No próximo dia 27, Nuno Ramos lançará na Livraria da Vila o livro O Mau Vidraceiro, pela Globo Livros. O artista plástico também é escritor, inclusive, foi o vencedor do Prêmio Portugal Telecom de 2009 pela obra Ó (Editora Iluminuras) e já tem lançados outros trabalhos literários como Ensaio Geral (reunião de ensaios) e O Pão do Corvo (ficção). O Mau Vidraceiro é mais um livro de ficção, com contos, textos, pensamentos, como diz Nuno. Já para coincidir com a 29ª Bienal de São Paulo, entre setembro e outubro - ainda em data indefinida - o artista vai lançar pela Editora Cobogó uma ampla edição sobre toda a sua carreira.

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