Novo ministro da Cultura divide opiniões

A indicação de Gilberto Gil como ministro da Cultura do governo Luiz Inácio Lula da Silva provoca reações da classe artística, que vê coisas positivas e negativas no nome escolhido

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Por Agencia Estado
Atualização:

A indicação oficial de Gilberto Gil como ministro da Cultura do governo Luiz Inácio Lula da Silva deve ser feita apenas amanhã, mas já provoca reações da classe artística, que vê coisas positivas e negativas no nome escolhido. O fato de ser alguém com maior trânsito na área artística é destacado como positivo. A situação ambígua - de o artista ter de se dividir entre o palco e o gabinete - é vista como negativa. "Acho difícil ele conciliar as coisas, o Ministério da Cultura exige uma dedicação total", disse o diretor de teatro José Celso Martinez Correa. "Gil é uma figura maravilhosa, um artista extraordinário, mas será que vai conseguir acumular o ministério com sua carreira?" O novo ministro deverá preencher uma ampla gama de expectativas da classe artística. Espera-se dele uma postura "menos burocrática" no cargo do que seus antecessores. Que ele ache os caminhos para trazer mais dinheiro para o setor. Que ele aproxime as pastas da educação e da cultura. Que ele descubra formas de exportar arte. "Eu acho que o novo ministro não deve se dedicar a uma área única. Tem que demonstrar uma compreensão maior, que saiba que a cultura está profundamente ligada à questão da educação", afirmou o ator Raul Cortez. "Que faça cada evento cultural ser acompanhado de um processo esclarecedor do que está sendo feito, do que está acontecendo". Para Cortez, "não é só subvenção que resolve" os impasses culturais. "Claro, é preciso também resolver a questão da má utilização dos incentivos, que hoje servem mais aos interesses empresariais, de bancos. É importante também mudar a maneira de priorizar o ministério. É um ministério tão importante e não se dá essa relevância, é sempre o último a ser escolhido, é o último a ser ouvido". O arquiteto Carlos Bratke, ex-presidente da Fundação Bienal de São Paulo, desenha um perfil simples e rápido do ministro ideal. "Precisa ter bom gosto e ser culto - não muito culto, mas razoavelmente culto, para não ser elitista. Um ministro precisa conversar, não ser autoritário, ter curiosidade em relação à cultura", afirmou o arquiteto. Para Edemar Cid Ferreira, presidente da Brasil Connects (empresa que organizou mostras como a exposição Brasil + 500, no Ibirapuera, e Brasil de Corpo e Alma, no Guggenheim de Nova York), a questão básica com a qual o novo titular do Minc deverá se defrontar é a da descentralização. "Ele terá que democratizar os recursos oriundos da isenção fiscal, os recursos da Lei Rouanet", afirmou Ferreira. "Esse recursos estão concentrados nas grandes empresas e no eixo Rio-São Paulo", analisou. Segundo Edemar Cid Ferreira, o desafio implica na alteração da Lei Rouanet, com a criação de mecanismos que possibilite que seus benefícios espalhem-se pelo País. "Isso é fundamental. A lei deve permitir que alguém do Amapá faça uma peça, que façam livros no Amazonas, restaurem prédios no Acre", considera. "Se ele fizer isso em um dia e passar o resto do tempo sem fazer nada, ainda assim terá feito muito." Já para Cláudio Willer, poeta, escritor e presidente da União Brasileira de Escritores, o problema é o governo reassumir o estímulo direto à produção. "A questão dos incentivos fiscais é ociosa se o governo não tiver recursos para a subvenção direta. As fontes de recursos do Fundo Nacional de Cultura têm que ser ampliadas", disse Willer. "O governo também tem que trabalhar mais a conexão cultura e educação. Não adianta fazer política cultural para uma nação iletrada. A redução do ensino de literatura no governo FHC foi uma coisa a se lamentar. A questão do direito autoral também deve receber maior atenção", ponderou Willer. Toy Lima, produtor cultural, realizador do Heineken Concerts e do Chivas Jazz Festival, vai longe na sua análise e dá uma sugestão concreta: a criação do Banco da Cultura. "Acho que uma primeira preocupação poderia ser a criação de uma linha de crédito especial, dentro do BNDES, com juros nominais parecidos com os praticados na agricultura - algo em torno de 8 5 % ao ano - e carência de dois anos para o início do pagamento - para financiar a produção cultural em todos os segmentos, principalmente onde podemos exportar arte", considerou Lima. O crítico literário Antonio Candido, que disse ter andado um pouco afastado da problemática cultural no País, afirmou apenas que espera que o novo ministro cumpra bem com o seu papel. "O ministério da Cultura tem tido titulares diferentes ao longo de sua história. Geralmente são intelectuais. Artistas não. Mas eu não sei se isso pode ser bom ou não, sinceramente", disse. "O ministério da Cultura não é negócio para o Gil, é negócio para um burocrata. Passei 11 meses na Funarte e acabei com minha vida. Hoje eu sempre falo para artista não se meter nisso. Artista tem que agitar, cobrar, fazer arte, não perder tempo em reunião do Tribunal de Contas", reagiu o cartunista Ziraldo. O diretor de teatro, dramaturgo e ator Mário Bortolotto foi sarcástico na sua análise da situação. "Eu espero que ele grave agora um CD só com versões do Peter Tosh e depois um só com o Jimmy Cliff. Assim ele não vai precisar viver apenas do ´mísero´ salário de ministro; caso contrário, ao final de sua gestão, a exemplo do mano Caetano, ele será obrigado a gravar um CD com o Jorge Mautner, com o sugestivo título de Desculpa aí, rapaziada". "O Gil deverá demonstrar qual é sua posição em relação à lei de incentivos, colaborar para transformá-la e não deixar que seja um mero mecanismo de repassar recursos para as empresas", disse José Celso Martinez Correa. "Primeiro vamos saber qual é sua posição, depois saberemos se terá o nosso apoio ou não." Para ler o índice de notícias sobre a transição nos Ministérios, clique aqui.

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