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Novo Harry Potter decreta "fim da inocência"

O furacão literário J.K. Rowling fala das mudanças ocorridas em sua vida e na do próprio personagem, anunciando novos rumos da série que encabeça a lista dos mais vendidos em muitos países, entre eles no Brasil

Por Agencia Estado
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J.K. Rowling, a criadora de Harry Potter, insiste: não se considera uma celebridade. Mas bem que parece. Neste momento, ela atravessa a Inglaterra num estilo antes reservado a reis e rainhas, fazendo uso de um trem só para ela, enfeitado por brocados e veludos. Obviamente, este trem - que leva o mesmo nome daquele que leva seu personagem Harry Potter à escola de bruxaria - é a peça central da publicidade planejada para promover e celebrar todo o frenesi em torno do mais novo livro da série, Harry Potter e o Cálice de Fogo, lançado neste fim de semana no Reino Unido e nos Estados Unidos. E o aparente luxo do trem - que inclui vagão restaurante decorado por cristais e peças de linho branco e quartos para a escritora e toda sua equipe da Bloomsbury, sua editora na Inglaterra - não traduz toda a mágica de sua obra. O trem balança, chacoalha, range. Seu sistema a vapor, que já tem 57 anos, não dá mais conta da função. Para a viagem, foi necessário adaptar o conjunto a uma locomotiva movida a diesel. Ao longo de quatro dias, este trem levará a escritora para sessões de autógrafo de estação em estação, pequena ou grande, para que os aficionados da série possam ver, mesmo que de relance, a criadora de seu herói. Disney da literatura - No meio deste turbilhão editorial, está Joanne Kathleen Rowling, uma modesta escritora de 34 anos, da classe média inglesa educada em universidades. Uma mãe solteira que uma vez dependeu da assistência social e que agora figura entre as três mulheres mais bem pagas de seu país, com uma fortuna estimada em US$ 22 milhões, toda ela arrecadada em sua meteórica carreira literária. Mas o momento não é só de triunfo e comemoração. De certa forma, toda este frenesi revela muito da Inglaterra de hoje em dia, tanto quanto do próprio fenômeno Harry Potter. A despeito das escandalosas marcas alcançadas pela série, os meios literários relutam em reconhecer a importância de Harry Potter, bem como de sua criadora, apontando que, embora o personagem seja uma autêntica criação ficcional, também não chega a ser um Huckleberry Finn. E ainda que o caixa registre intenso movimento dos dois lados do Atlântico, Harry Potter perdeu recentemente dois prêmios importantes: o Whitbread, que elege o livro do ano, e o Carnegie, consagração máxima para a literatura infantil na Inglaterra. Os livros de Joanne, conforme o jurado do Whitbread Anthony Holden, são apenas "desenhos Disney por escrito, nada mais". Claro, a publicação do quarto livro da série tem sido até agora supervalorizada. E com o anúncio de que a Warner Brother já planeja adaptar a história para o cinema, escalando para a direção Chris Columbus (o mesmo de Esqueceram de Mim), a superexosição de Harry Potter parece estar só começando. Mas será que toda esta agitação não levará a um retrocesso do ponto de vista comercial? Esta é uma questão, diz a escritora, para a qual está preparada. "Farei de tudo para que Harry não seja transformado numa mercadoria de fast-food", promete. "Seria meu pior pesadelo." Para aprovar o roteiro do filme, Joanne parece estar pronta a defender às últimas conseqüências sua visão do personagem. E exemplifica lembrando as conversas que teve com o diretor e produtor Steven Spielberg sobre a possibilidade de ele próprio fazer a adaptação. Ela diz que o projeto não andou porque "este filme deve passar a minha visão, e acho que ele sentiu que sua imaginação poderia ser abafada". E sobre a comercialização deste quarto livro, diz: "Estou certa do modo como quero aparecer ao mundo, e de como não o faria." Ela tem tentado manter controle e equilibrar sua aparições públicas com sua vida particular. Mas isto não tem sido sempre possível. No início de sua carreira, acreditou que o sucesso jamais mudaria sua vida. Mas tem mudado, e pode mudar mais. Pobreza e depressão - No início do ano, os tablóides britânicos perseguiram seu ex-marido, um jornalista português chamado Jorge Arantes, com quem foi por curto tempo casada. Especulou-se que o ex-marido teria ajudado na formulação do personagem. O que a irritou profundamente. "Ele colaborou tanto na criação de Harry Potter quanto eu na elaboração de Um Conto de Duas Cidades (de Dickens)", ironiza. Depois do rompimento com o jornalista em Portugal, ela voltou com a filha Jessica a Edimburgo, na Escócia. Pobre e deprimida. "Se você passa três a quatro anos preocupada com dinheiro para as necessidades mais básicas, não esquece nunca mais." Em 1994, percebeu que continuava apta a escrever, o que foi entendido como "um sinal de que não estava mais assim tão deprimida." Encontrar um editor para o primeiro livro da série também não foi fácil, e ela ainda não consegue explicar como as vendas chegaram a 30 milhões de exemplares, grande parte nos Estados Unidos, paisagem remota para a escola de bruxaria da série. "Não sei dizer", resume, "não tenho explicação para isto." Mas, respondendo aos que criticaram seu estilo, ou a caracterização dos personagens, diz: "Só escrevo o que quero escrever. Escrevo da forma que me agrada. Nunca sonhei nem esperei tamanha popularidade." Com a chegada do quarto livro, a popularidade ganha mais combustível. Centenas de crianças, acompanhadas dos pais, formam imensas filas para ganhar seu autógrafo. Mas o assédio da imprensa na estação londrina de King´s Cross, de onde partiu o trem, foi tamanho, que os fãs só puderam observá-la de relance. Numa nação obcecada por celebridades, de Lady Di a jogadores de futebol, será que Joanne já sente mais uma celebridade nacional? "Não", informa. Já foi algumas vezes reconhecida e fotografada em cafés de Edimburgo. "Mas também posso passar completamente despercebida em qualquer rua da cidade", avisa. É claro que sua vida mudou: só de dar entrevistas num trem privado já revela a transformação por que passou. Telejornais têm feito ampla cobertura das vendas do novo livro. No primeiro fim de semana, já passou a marca de um mihão de exemplares, conforme o editor-chefe da Bloomsbury, Nigel Newtown. Uma turnê promocional deve ser o próximo passo na divulgação do livro. "E depois eu vou para casa, e minha vida então volta ao normal", diz a escritora. "Nada especialmente interessante: apenas ver os meus amigos, trabalhar e criar minha filha: as coisas mais importantes na minha vida, incluindo aí Harry Potter." O fim da inocência - Harry Potter e o Cálice de Fogo é talvez o número mais ambicioso da série. Para começar, é o mais longo, com 734 páginas na edição americana. Mais longo até do que ela mesma imaginou. Foram dez horas de trabalho por dia. Conta que teve de recomeçar a obra quando já estava na metade, por descobrir que precisava incluir novas partes da trama para chegar a conclusão pretendida. Além disso, este quarto livro foi construído de modo a desempenhar um ponto de inflexão. Trata-se da virada na trajetória de Harry Potter a que levam os livros anteriores. Toda a saga está planejada para ser contada em sete livros. Ficam faltando outros três. Pela primeira vez, Joanne toca em temas como envolvimento político, fama, inveja, romance e morte de um aliado de Potter: todos ritos de passagem. "É o fim de uma fase no contexto de toda a série", diz. "Para Harry, é o fim da inocência." Ela insinua que o humor dos próximos livros, conforme avança, deve ficar mais sombrio e que a morte de um dos personagens neste quarto livro é apenas a primeira de uma série. Estranhamente, tratar da morte não foi a parte mais difícil. "Não quero perturbar as crianças", explica, "mas também não quero escrever sobre o assunto como que se fosse algo que não acontecesse." De mais a mais, toda a série começa com a morte dos pais de Harry. Mas então qual foi a parte mais difícil? Chama-se Rita Skeeter o personagem mais difícil, uma jornalista atrás de furos de reportagem. "Sabia que as pessoas iriam pensar que isto é uma resposta a tudo que me aconteceu", diz. Mas resolveu assim mesmo seguir em frente com o personagem. Faz-se necessário saber por que, apesar do sucesso da série nos Estados Unidos, nenhum personagem é americano. Nos últimos livros, o leitor é apresentado a bruxos europeus, e há até referências a feiticeiros africanos e americanos. Mas Joanne, que se define como uma pessoas "muito britânica" garante que "vocês não verão nenhum aluno americano na escola". Por quê? "Não creio que faria sentido ao estilo da série trazer alguém do Texas ou seja lá da onde para a escola de bruxos."

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