'Novas Famílias' estreia amanhã no GNT

Programa retrata novos hábitos e estruturas nos grupos familiares dos brasileiros

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Por Roberta Pennafort - O Estado de S. Paulo
Atualização:

Os gêmeos Mia e Gael têm duas mães, Mariana e Paula, e foram amamentados graças a uma maratona de revezamento organizada por tabelas de Excel. O pequeno Patrick, de 8 anos, nasceu quando o pai, Fernando, já beirava os 60, e coleciona irmãs adultas, cunhados e sobrinhos.

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A grande família de Cristiana e Flávio se formou quando ela chegou com os dois meninos do primeiro casamento e ele, com suas duas meninas. E ainda viria Antônio, ou Tom Tom, para aumentar ainda mais a bagunça.

É tudo igual, só muda o endereço. Mas essas histórias de afetos múltiplos e divididos, temperadas por disputas de território, ciúmes justificados e doses beatificantes de paciência mereceram o novo programa da grade do GNT Novas Famílias, que estreia nesta sexta-feira, 2.

Estudados pelo IBGE por serem cada vez mais comuns na sociedade brasileira (e mundial), os novos arranjos familiares são o foco do documentarista João Jardim, convocado para dar um toque de “poesia, com a profundidade que o tema merece”, conta a diretora-geral do GNT, Daniela Mignani.

O garoto adotado que tem dois pais, a mãe de quatro filhos de três pais diferentes, o marido que cuida do rebento para a mulher trabalhar em outra cidade, o ex-casal que tem guarda compartilhada da filha, que vai e vem dia sim, dia não... São tendências já estabelecidas, diz João - por sua vez, membro de um núcleo tradicional (é casado “há uns dez anos” com Carla Camurati, diretora do Teatro Municipal do Rio, mãe de seu filho Antônio).

A todo momento, entre a mesa de jantar, a festinha de aniversário e os jogos de videogame, ele acompanhou com a câmera o percurso dos afetos. “As pessoas são felizes, mas é lógico que aquelas famílias têm outras facetas. Todos posam um pouco no começo, para aparecer bem na televisão. Mas é só uma questão de paciência”, conta.

“Focamos mais no amor, senão vira Márcia Goldsmith. São famílias em que talvez seja preciso fazer um esforço maior para se chegar ao entendimento.”

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Cara de cansado, porém inequivocamente satisfeito com o caminho escolhido, Flávio, que tem em casa idades entre 3 e 18, resume: “Aqui, cada um tem que abrir mão de suas vontades em prol do outro. Mas a vida é assim.”

 

Ar de cinema

Do superpremiado Janela da Alma a Lixo Extraordinário, que chegou ao Oscar, passando pelo programa da TV Globo Por Toda a Minha Vida, sobre grandes nomes da música brasileira, João Jardim não perdeu o tempo da delicadeza. Em cinco episódios de 30 minutos, Novas Famílias sucede a sua primeira ficção, Amor?, uma investigação da relação entre paixão e violência.

O programa não se pretende cor-de-rosa bebê. Tem choro de criança, clichê, implicâncias. Tem cenas comoventes, que passam despercebidas no dia a dia de quem as vive: depois da festa de um ano de Mia e Gael, a mãe Paula acaricia suavemente, quase sem se dar conta do gesto, o antebraço da mãe Mariana. O bem-humorado Fernando, de 66 anos, lembra que o filho não perdoa quando pensam que se trata de seu avô: “Ele é meu pai!!!!”

O pai Flávio diz com sinceridade que a cônjuges “com bagagem” não cabe só a conquista do parceiro, mas da prole - e o bom entrosamento entre os filhos pode ser determinante na decisão de se manter o relacionamento. “Foi muito estranho no começo, ninguém falava com ninguém”, conta um de seus enteados, pré-adolescente.

Precedidas de meses de pesquisa do tema e dos personagens, as filmagens foram no Rio e em São Paulo. A equipe ficou, em média, três dias em cada casa. Não há maquiagem nem luz de cinema.

Não há informações sobre sobrenomes, profissões, contas bancárias, idades. Não importa saber que Flávio é bem-sucedido e que a mãe de quatro filhos de três pais é a atriz Teresa Seiblitz - afinal, “família eh, família ah, almoça junta todo dia, nunca perde essa mania...” (a óbvia música dos Titãs é a da abertura).

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Além de João, o GNT chamou outros dois nomes do cinema para incrementar sua programação: Joana Mariani, assistente de Heitor Dhalia em À Deriva e O Cheiro do Ralo, e Susanna Lira, dos documentários As Positivas, cujos personagens são mulheres com aids, e Nada Sobre Meu Pai, sobre a ausência paterna. Dele se deriva o programa Dia de Pais, que deve ir ao ar em agosto, mostrando pessoas que jamais experimentaram o vínculo paterno.

Ainda não foi filmado, assim como Marias, pensado para outubro. Será um retrato das diferentes Virgens Marias presentes no imaginário de brasileiros, mexicanos, cubanos, peruanos e nicaraguenses, e de mulheres que ganharam esse nome por conta da devoção dos pais.

“O fato de esses diretores caminharem na avenida do documentário faz com que eles tragam um olhar profundo, detalhista. A TV precisa disso”, diz a diretora-geral do GNT, Daniela Mignani. “No documentário, as coisas têm um tempo para acontecer; na TV, a tendência é à superficialidade ”, avalia João.

No caso de Novas Famílias, como ainda há quem estranhe pais gays ou casais com grande diferença de idade, o canal se cercou de cuidados, para evitar julgamentos. Até por isso a série não tem apresentador.

A presença de documentaristas rende bons momentos à TV. O maior deles, Eduardo Coutinho, passou nove anos no Globo Repórter, sempre rodando em 16 milímetros, e logo que se desligou, em 1984, retomou o antigo projeto de Cabra Marcado para Morrer, que viraria marco de sua cinematografia.

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