Nova York vê os ´quasi-cinemas´ de Hélio Oiticica

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Por Agencia Estado
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Trinta anos depois de concebidas em parceria com o diretor Neville D´Almeida, três instalações em que o artista plástico Hélio Oiticica (1934-1980) buscava quebrar a relação passiva do espectador sentado diante de uma tela no cinema estão sendo vistas pela primeira vez em Nova York, a cidade onde foram criadas. Montadas na exposição Hélio Oiticica: Quasi-Cinemas, aberta ontem no pequeno New Museum of Contemporary Art, no SoHo, onde fica até 13 de outubro, elas são baseadas em projeções sucessivas de slides acompanhadas por música que o público assiste acomodando-se em redes, almofadas espalhadas pelo chão ou sobre um piso de areia forrado com vinil. Oiticica, que na época ainda não contava com a palavra instalação para rotular o que estava fazendo, descrevia esses trabalhos como "uma salada multimídia sem o molho intruso do ´sentido´ ou do ´ponto de vista´". Alterando o conceito do cinema como imagem em movimento, ele cunhou o termo quasi-cinema para definir "a projeção das imagens fixas dos slides em movimento e o movimento da platéia ao ver essas imagens", explica Neville. Além das instalações, que os criadores chamaram de Cosmococas, a mostra apresenta o quasi-cinema Neyrótika e 15 pequenos filmes feitos originalmente em Super 8 e digitalizados para a exibição. Entre eles está Agripina É Roma Manhattan, no qual o artista representa suas impressões sobre a arquitetura da cidade que, na época, via a construção das duas torres de 110 andares do World Trade Center, destruídas no ataque terrorista do ano passado. Todas as obras foram realizadas por Oiticica no período em que ele viveu em Nova York, entre 1970 e 1978. Organizada pelo argentino Carlos Basualdo, um dos co-curadores da Documenta de Kassel deste ano e curador-chefe do Wexner Center for the Arts, de Columbus, em Ohio, Hélio Oiticica: Quasi-Cinemas começou uma turnê internacional naquela instituição americana no fim do ano passado. Antes de chegar a Nova York, foi apresentada no Kölnischer Kunstverein, em Colônia, na Alemanha, e na Whitechapel Art Gallery, de Londres. Não há previsão de ela ser exibida no Brasil. Newyorkases - Depois de participar da exposição Information, no Museum of Modern Art (MoMA) de Nova York, em 1970, Hélio Oiticica ganhou uma bolsa da Guggenheim Foundation para estudar na cidade. Só voltou ao Brasil quase nove anos depois, quando foi forçado a sair dos EUA por problemas de visto. Na época, a cidade estava à beira da falência, mas seu mundo artístico era de liberdade e experimentação, com performances e happenings acontecendo até nos telhados dos prédios. Envolvido nesse clima, Oiticica produzia projetos contidos em cadernos de anotações, cartas, desenhos, seqüências de fotos e filmes, a maioria sob o título geral de Newyorkases. Em 1973, por exemplo, ele criou Neyrótika, uma sucessão de slides com imagens eróticas de rapazes que fotografou. Elas são projetadas ao som de programas de rádio e da voz do próprio artista recitando Rimbaud. Slides - Morando na cidade naquele mesmo ano e já tendo dirigido Jardins de Guerra, em 1968, e Mangue-Bangue, em 1970, Neville queria fazer outro filme, mas não tinha dinheiro. "Pensei então em fazer um só de slides, o que todo mundo achou uma loucura. Falei com o Hélio e ele achou maravilhoso", conta o diretor. Juntos, eles criaram cinco trabalhos e Oiticica fez mais quatro semelhantes com outros artistas. "A gente combinava o que chamávamos de ´encontros criativos´ no apartamento dele, na Christopher Street. Era ele quem fotografava e eu fazia outras coisas, como desenhar sobre os slides." As instalações exibem imagens de ícones da contracultura muitas vezes superpostas por desenhos feitos com cocaína. Neville afirma ter "nojo de pó" e, apesar de a droga ser lembrada no título dos trabalhos, diz que a usou como material artístico comparado à tinta branca numa pintura. Cosmococa 1 Trashiscapes exibe fotografias do cineasta espanhol Luis Buñuel tiradas de um jornal e o público pode vê-las deitado em colchonetes onde encontra lixas de unha para usar como quiser. Cosmococa 3 Maileryn é uma sala com piso ondulado, forrado por areia coberta por lona plástica e bexigas coloridas; nas paredes aparecem imagens de Marilyn Monroe publicadas na biografia escrita por Norman Mailer. Em Cosmococa 5 Hendrix-War, o espectador instala-se em redes para ver imagens da capa e ouvir músicas do disco War Heroes, de Jimi Hendrix, que morreu em 1973 de overdose. Neville - "Agradeço a Deus porque sobrevivi e estou vendo isso 30 anos depois. Parece que foi ontem, mas é uma vida inteira", admirava-se Neville na abertura da exposição. Para ele, a mostra "é uma homenagem a Hélio Oiticica, que não teve tempo de ver esse trabalho montado". As Cosmococas foram exibidas pela primeira vez há dez anos, numa exposição em Roterdã. Dan Cameron, diretor do New Museum, diz que, apesar de concebidos 30 anos atrás, os quasi-cinemas de Oiticica "são obras contemporâneas, criadas por um artista que estava adiante do seu tempo".

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