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Nova secretária da Cultura quer "ocupar" BH

Por Agencia Estado
Atualização:

Apesar da reeleição do prefeito Célio de Castro (PSB), a Secretaria de Cultura de Belo Horizonte troca de mãos. Com a reforma administrativa que subordinou a pasta à nova Secretaria de Coordenação da Política Social, sai Mariza Rezende, entra Celina Albano. Socióloga, Celina assumiu o cargo na terça-feira com a intenção de valorizar a cultura como um elemento de integração social e trabalhar a auto-estima da cidade. Ela é Ph.D. em sociologia pela Universidade de Manchester e foi professora no Departamento de Sociologia e Antropologia da UFMG. Entre 1991 e 94, durante o governo de Hélio Garcia, Celina foi secretária de Estado da Cultura de Minas Gerais. "Foi uma grande escola", diz. A socióloga teve também participação importante como diretora do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher na Assembléia Constituinte, em 1987, quando teve sua primeira experiência fora da área acadêmica. Celina é consultora interna do Banco Mundial. Desde 1995, faz trabalhos na América Central, pesquisando educação, cultura e problemas sociais. Em entrevista à Agência Estado, Celina fala de seus planos e desafios para tornar a cidade "uma capital da cultura". Como será sua volta a um cargo público ligado à cultura? É uma área a que sempre me dediquei, realmente sempre fui muito voltada para a questão do espaço urbano, da cidade e das relações. A Secretaria de Estado da Cultura, assim como a UFMG, foi uma grande escola. Como socióloga, me deu condições de ver coisas e trabalhar em áreas muito interessantes, principalmente em um estado como Minas, que tem uma cultura fortíssima e uma diversidade também muito grande. Eu penso nas ações aqui para o morador. Uma boa cidade é aquela em que o morador gosta de estar. E acho que Belo Horizonte está com a auto-estima um pouco baixa. Então pretendemos estabelecer uma política cultural que tenha isso como uma das metas, fazer com que o morador da cidade tenha prazer de viver nela e de conviver com os outros moradores. Eu sou uma técnica, não tenho meta de carreira política. Tenho uma empresa de consultoria na área de patrimônio histórico. Tentamos trabalhar os espaços interpretando-os, acrescentando valor a eles, fazendo com que as pessoas entendam os lugares onde vivem, é uma tentativa de preservação e valorização. Este trabalho está relacionado a uma parceria que está sendo feita, com a necessidade de relacionar patrimônio e turismo, de como desenvolver as atividades turísticas através dos cenários, sejam eles construídos ou naturais. Você pretende transportar esta filosofia para Belo Horizonte? Sim, eu nasci aqui e conheço muito bem essa cidade. Já morei fora, mas sempre tive os olhos voltados para cá. Particularmente, acho Belo Horizonte uma cidade muito mal tratada pelo poder público e pela própria população. Por exemplo, Minas sempre se voltou muito para o barroco, mas nós perdemos um dos maiores patrimônios ecléticos do País, que é Belo Horizonte. Eu acho a Praça da Liberdade, por exemplo, um resumo da cidade, com todo o seu ecletismo. A cidade tem uma efervescência cultural, grupos acontecendo e permanecendo, como o Corpo, Galpão, Uakti, Skank, Giramundo, Pato Fu, sem falar nas artes plásticas. É um desafio, é instigante, mas ainda existe um espaço grande para ação. Qual o orçamento atual destinado à cultura? Aproximadamente 15 milhões anuais, sendo 5 milhões em investimentos. Para Belo Horizonte, ainda é pouco. Mas eu trabalho muito com parcerias. Eu tenho percebido nesses 10 anos que estou dentro e fora da administração da cultura que há uma maior abertura do empresariado e da sociedade civil, com mecanismos como a lei de incentivo, que temos que aperfeiçoar cada vez mais, estimulando também o empresariado. Como ficará a questão da lei municipal de incentivo à cultura? O que muda e o que permanece? A lei municipal de incentivo à cultura tem duas vertentes, uma ligada ao incentivo fiscal e outra ao fundo de projetos culturais, em que os artistas apresentam os projetos e recebem um montante para usar, que pode ou não ser suficiente, sem precisar captar. A última gestão deu uma atenção maior ao fundo e nós pretendemos aperfeiçoar essa lei. O que é necessário agora é colher mais informações, dados, para mostrar o impacto da cultura na vida econômica da cidade. A cultura é uma área de muita agilidade, ela não tem um calendário tão claro como o da educação e a agricultura, por exemplo. É um processo contínuo que precisa ser aperfeiçoado cada vez mais. Que projetos atuais devem ser aproveitados e que projetos novos podem surgir? Não é do meu feitio achar que não há nada para se aproveitar, achar que vamos começar do zero. Temos que ver o que é bom e ampliar outras atividades. Eu gosto muito de ações contínuas. Do projeto Arena da Cultura, por exemplo, que vai para as regionais, que trabalha com a formação e a capacitação. Gosto também de lidar com a linha da memória e do patrimônio e de projetos especiais, como os festivais, que criam público, fazem as pessoas curtirem a cidade. Eles motivam as pessoas a conversar, trocar idéias, fazem as pessoas saírem de casa. Belo Horizonte tem que aprender mais a usar seus espaços. Vamos tentar voltar a ocupá-los. As atividades culturais são importantes para dar um sentido, uma meta, visão de mundo para as pessoas, ampliando o conhecimento, a sensibilidade. Esperamos também receber propostas dos grupos, do empresariado, buscamos ampliar as parcerias, seja dentro do próprio poder municipal, seja com a sociedade civil. Também com instituições, como as universidades. A UFMG, por exemplo, é uma ótima parceira, também a PUC-Minas. Temos que buscar. Eu não tenho medo, aprendi muito. É um novo desafio, nova experiência, não posso dizer que estou chegando sem uma bagagem. Como você encara a mudança estrutural da Secretaria de Cultura, agora subordinada à Secretaria de Coordenação da Política Social? Esta proposta de governo democrático-participativo eu venho acompanhando desde o Patrus (Ananias, prefeito de Belo Horizonte entre 1993 a 1996). É importante também o próprio empenho do prefeito de tornar Belo Horizonte uma capital da cultura, um centro de manifestações de Minas e ganhar um destaque em nível internacional. Foram criadas cinco secretarias de coordenação e é importante para a cultura estar subordinada, pois dá a ela um lugar na política social. A cultura é hoje um componente fundamental em qualquer tipo de ação que você queira fazer, até mesmo da qualidade de vida. A cultura deve ser usada como instrumento para os problemas que qualquer cidade grande. Esta nova proposta implica que nós vamos ter que trabalhar em parceria, com as áreas da saúde, educação e as secretarias que trabalham o espaço urbano da cidade. É um processo novo, é difícil, pois normalmente nos órgãos da administração pública as pessoas têm medo do novo, são espaço muito delimitados. Eu vejo para a cultura uma situação muito boa, pois a área cultural vai entrar nas diferentes áreas. Eu nunca entendi como a cultura e educação não trabalham juntas. Eu acho que a educação no Brasil para por essa separação que foi feita da área cultural. A cultura é a base da educação. Hoje as escolas se preocupam muito em instrumentalizar, a calcular, ler e escrever, mas não valorizam a cultura, que faz as pessoas pensarem, verem o mundo. Eu acho que a cultura é a forma de fazer com que eu volte a idéia do espaço público, da sociabilidade da cidade, fazer as pessoas quererem sair de casa, com ambientes agradáveis. A descentralização é uma questão trabalhada pela administração anterior. Como será tratada daqui para frente? Isso é um avanço muito grande, a cultura já está entrando no orçamento participativo como demanda da população, vinda de áreas muito excluídas, com falta de equipamentos culturais e de outras áreas. Esses pedidos da população são uma boa surpresa para mim, pois eles já têm verba definida. É bom ver que as demandas e os direitos do cidadão passam não só pelas necessidades básicas, como saneamento, escolas e postos de saúde, mas também pelos equipamentos culturais. É um avanço muito grande e um indicador importante de como a cultura deixa de ser elitista, mas muito mais difundida, com a função de agregar os segmentos excluídos. No meu trabalho como consultora do Banco Mundial, tenho percebido como a sociedade está finalmente vendo a cultura e a arte como componentes básicos de ações em outras áreas. A questão da cidadania hoje passa pela cultura. Enquanto estive longe da área pública foi bom, pois pude avaliar e agora posso aplicar de uma maneira contundente, direta.

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