Nova coleção evoca o prazer da leitura

Coleção juvenil lançada pela editora Objetiva quer mostrar que há espaço para o livro na vida dos jovens. Ana Maria Machado escreveu Como e Por Que Ler os Clássicos Universais desde Cedo e Ítalo Moriconi, Como e Por Que Ler a Poesia Brasileira do Século 20

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Por Agencia Estado
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A escritora Ana Maria Machado guarda com carinho uma cena que marcou sua infância: o pai, ao pé da escrivaninha, contando-lhe as aventuras de Dom Quixote, enquanto lhe exibia uma escultura de bronze do cavaleiro e seu fiel escudeiro, Sancho Pança. "Foi uma adoração por histórias que surgiu naturalmente", relembra. Assim como ela, outros autores também relembraram o fascínio despertado por histórias e personagens descobertos quando pequenos - Carlos Drummond de Andrade fez mais de um poema para contar seu deslumbramento ao descobrir o clássico Robinson Crusoé. Já Clarice Lispector descreveu a intensa felicidade que lhe proporcionou a leitura de Reinações de Narizinho, um dos clássicos infanto-juvenis de Monteiro Lobato. Por acreditar que o fascínio da leitura ainda existe, mesmo com a criança rodeada por máquinas eletrônicas que proporcionam diversão, que Ana Maria aceitou participar de uma coleção proposta pela editora Objetiva, que quer mostrar que ainda há espaço para o livro na vida dos jovens. Assim, ela escreveu Como e Por Que Ler os Clássicos Universais desde Cedo (146 páginas, R$ 19). E, para tratar especificamente do texto poético, foi convidado outro escritor, Ítalo Moriconi, que organizou antologias tanto de contos como de poemas. Ele escreveu, portanto, o outro volume da primeira remessa da coleção, Como e Por Que Ler a Poesia Brasileira do Século 20 (156 páginas, R$ 19). Os dois autores partiram do mesmo princípio: da mesma forma que há diferentes maneiras de uma pessoa se aproximar de outra, há também maneiras distintas de se envolver com livros. "Por isso, não pode existir imposição; senão, o efeito é o mesmo de remédio amargo", aconselha Ana Maria. "O ideal é mostrar que a literatura (a poesia em especial) traz a promessa de prazer", completa Moriconi. Assim, a escritora utilizou sua própria lembrança infantil para começar o relato. Ana Maria foi cuidadosa na escolha do tom da narrativa, escrevendo como se mantivesse uma conversa com o leitor. "Não pretendi escrever especificamente para o adolescente, mas também para as pessoas que, de alguma forma, trabalham com a leitura", explica. "Como viajo muito pelo interior do Brasil, descobri que os professores têm sede de saber, uma avidez por reciclar seus conhecimentos, mas não sabem por onde começar." Mesmo sabendo que pode contrariar os puristas, Ana Maria defende a utilização de adaptações como um dos caminhos para se iniciar na leitura, pois o primeiro contato com um livro volumoso e sem ilustrações pode assustar. "Da mesma forma que não é necessário ir até a Inglaterra para se conhecer Shakespeare, os jovens leitores não precisam ler Romeu e Julieta original para descobrir as peripécias do amor." Com cuidado, Ana inicia sua viagem a partir do começo de tudo, o que, na tradição ocidental, judaico-cristã, significa descobrir os clássicos gregos, como Ilíada e Odisséia. É o momento em que ela lista as melhores adaptações dos mitos greco-romanos, como Os Doze Trabalhos de Hércules, de Monteiro Lobato, a versão da Odisséia, de Ruth Rocha, e Entre Deuses e Monstros, de Lia Neiva, no caso de coletâneas de mitos. Em seguida, a escritora conta a tradição de se ler a Bíblia e, se no passado histórias como a da criação do mundo e da arca de Noé ocupavam tomos pesados, hoje já existem versões ilustradas e mais atraentes. Depois do livro sagrado, Ana Maria chega à Idade Média e aproveita o gosto despertado por histórias como O Senhor dos Anéis e as aventuras de Harry Potter para apresentar os verdadeiros clássicos como Dom Quixote, o introdutor do romance moderno. Escapismo - Com essa nova porta aberta, na viagem a escritora visita lugares distantes, como as histórias das Mil e Uma Noites, passa pelas peças de Shakespeare, a Utopia, de Tomas Morus, até chegar às fábulas dos irmãos Grimm, de Perreault e Andersen. Nesse momento, Ana Maria contesta as críticas ao escapismo e à fantasia das fábulas. "Essas versões expurgadas dos contos de fadas, em nome do moralismo, do didatismo, do realismo ou do ´politicamente correto´, na melhor das hipóteses costumam combinar duas características que não são apenas uma rima, mas uma lástima: arrogância e ignorância", comenta a autora, defendendo a origem popular das fábulas, portanto, despretensiosa, mas prestadora de um imenso serviço cultural à humanidade. Ana Maria Machado conta que não fez pesquisas para enumerar os nomes que continuam surgindo em sua narrativa (Dickens, Defoe, Dumas, Poe, Wells até chegar aos mais contemporâneos, como Salinger). "Não pretendi fazer um livro erudito; por isso, segui mais minhas memórias literárias que propriamente os famosos cânones ocidentais, que pecam por serem escritos por europeus brancos. Eles pouco tratam das tradições asiáticas ou da América Latina." Pelo mesmo caminho pessoal seguiu Ítalo Moriconi em seu texto sobre a poesia brasileira do século passado. Para apresentar um painel que considera amplo da produção nacional daquele período, ele elegeu os 15 livros tidos como vitais. Assim, foram escolhidos textos de Drummond, João Cabral de Melo Neto, Jorge de Lima, Cecília Meireles e Murilo Mendes. "Esse livro surgiu como uma necessidade depois que publicamos a antologia Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século", explica. Ele aponta Claro Enigma, de Drummond, como um de seus preferidos, sem esquecer os belos poemas de A Rosa do Povo. "Drummond tem uma presença quantitativa, pois, como ele tem diferentes fases e muito marcadas, acaba predominando nas escolhas." Ao fazer suas opções, Moriconi sabia que enfrentaria críticas por ter deixado de fora nomes essenciais, como Manuel Bandeira. "Não excluí simplesmente alguns nomes, mas escolhi um determinado número de autores que fossem representativos para todas as fases da poesia", justifica. "Assim, poetas importantes ficaram de fora, pois outros representam sua época." Se foi obrigado a excluir alguns clássicos, Moriconi conseguiu ressaltar a importância de nomes que hoje não recebem o devido interesse, com Jorge de Lima e Murilo Mendes. Segundo ele, é importante tratar de obras como Invenção de Orfeu, de Lima, um poema que parece cifrado e cujo tom é mais difícil que o utilizado por Mendes. "Ele era um poeta mais abstrato, mais idiossincrático." Assim como Ana Maria Machado compra briga ao defender a importância das adaptações dos clássicos, Moriconi sustenta que, nas últimas décadas, há um destaque maior para letra de música do que para a da poesia. "Vivemos um período paradoxal, pois são tempos dominados pela cultura do entretenimento, em que a música popular se afirma como a arte mais universal", comenta. "A sensibilidade literária favorece fazer música a partir da poesia e, como nossos grandes poetas nunca tiraram o pé da cultura popular, temos um ótimo nível nas canções. Veja João Gilberto: sua música é como se fosse uma fala cantada."

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