Notas e arquitetura valorizam edição

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Por Agencia Estado
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Todo em preto-e-branco, o álbum Do Inferno é - além de um fantástico romance na tradição conspiracionista - um trabalho gráfico de tirar o fôlego. Eddie Campbell alterna ilustrações sobre fotos de época e uma série de ilustrações a lápis para obter o efeito realístico que Moore pede com sua história. Moore chega a ser obsessivo: em notas no final da edição, ele explica a origem de termos técnicos e comenta as contradições que possam surgir sobre sua tese fantástica. Por exemplo: nas páginas 152 e 153, ele gasta tinta explicando por que o médico-monstro Gull usa uma faca Liston entre o seu equipamento cirúrgico. Liston foi um cirurgião militar da Criméia que reconheceu a importância de realizar amputações rápidas. Ele então projetou uma faca com a qual poderia cortar uma perna em cerca de um minuto. Educativo, não? Ele também explica a origem de expressões populares para relacionar com situações vividas pelo seus personagens. A prostituta Polly Nicholls, por exemplo, gasta um pêni para dormir sentada num abrigo. Era algo comum na época - todos os sem-teto dormiam enfileirados com um varal à sua frente para impedir que caíssem enquanto dormiam. Esta foi a origem da expressão coloquial inglesa "I´m so tired I could sleep on a clothes-line" (Estou tão cansado que poderia dormir num varal). A rotina da vida das prostitutas londrinas é narrada por Moore com base no livro Sacred Prostitute, Eternal Aspect of Feminine, de Nancy Quall-Corbett (Inner City Books, 1998). "A razão pela qual os vitorianos se referiam às prostitutas de sua época pelo termo semelhante a Filhas da Alegria não advém lamentavelmente de uma ironia, mas de uma cruel insensibilidade", adverte Moore. "Os vitorianos achavam conveniente ignorar as condições sociais que levavam à prostituição e fingiam, em vez disso, que uma ninfomania epidêmica fosse a causa do problema, com as mulheres abraçando esse ofício apenas pelo prazer", finaliza. O traço de Campbell também passeia por veleidades arquitetônicas que incluem ilustrações de algumas catedrais míticas (como a igreja de São Lucas e a catedral de São Paulo) e até um texto de Vitrúvio, Da Architectura, escrito no século 1.º a.C. Escrever sobre arquitetura não é como escrever sobre história ou poesia, disse o pioneiro Vitrúvio, "uma vez que os termos provenientes das necessidades próprias da arte dão origem à obscuridade das idéias advindas da natureza pouco usual da linguagem". Do Inferno é um grande clássico dos quadrinhos, mas não só dos quadrinhos. Moore é um dos maiores artistas de sua época e escolheu justo um meio marginalizado - os comics - para erguer sua obra. Um gênio excêntrico.

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