
10 de dezembro de 2011 | 03h12
Desde sua estreia com Hotel Solidão (1994), a prosa de João Anzanello Carrascoza (1962), paulista de Cravinhos, revela um meticuloso processo criativo, tanto na opção pela economia formal como no cuidado na abordagem de pequenos dramas, em que o afastamento do plano sentimental e a busca do apaziguamento das tensões são alcançados pela sofisticação da própria linguagem. Com uma mirada lírica - mas sem a costumeira pieguice com que frequentemente muitos autores tentam esmiuçar os dilemas e conflitos que têm como epicentro o núcleo familiar - o ficcionista capta as sutilezas das histórias comuns, preservando-lhes a carga de conflito, mistério e angústia. O resultado é comovente - o que contribuiu para uma incontornável, epifânica cumplicidade com o leitor.
Nos 25 contos de Amores Mínimos, Carrascoza aprofunda seu olhar denso e cirúrgico sobre questões recorrentes em Duas Tardes e Outros Encontros Silenciosos (2002), Dias Raros (2004) e Espinhos e Alfinetes (2010), como as relações entre pais e filhos, os desencontros/desencantos amorosos, as descobertas, expectativas e perdas, a infância e seus ritos de passagem.
Nesse percurso, o autor atualiza e questiona a difícil relação do homem com o mundo contemporâneo ao mergulhar nas ondas da vida pós-moderna, trazendo à superfície os confrontos inevitáveis que atravessam o caminho de personagens seduzidos pela vassalagem de uma época de embates, de uma emergência sem sentido e rotinizada, na qual a busca de inserção e reconhecimento gera o desconforto. Ao se digladiarem com essas demandas, os personagens de Amores Mínimos buscam um sentido a partir de seus silêncios e lacunas, numa rota de fuga com que tentam escapar da insularidade, da melancolia, do tédio e da própria morte.
Na crônica dos pequenos acontecimentos cotidianos, Carrascoza revela um apurado senso de observação, fiel aos detalhes e habilidoso na arquitetura psicológica de seus protagonistas. Além disso, consegue retirar certo lirismo onde há crueza, tocando no que é verdadeiramente essencial na condição humana. Ao encarnar a realidade íntima desses seres, o ficcionista amplifica os tormentos das experiências individuais e coletivas.
Escritor versátil tanto no olhar renovador com que retoma velhos temas como na elegância narrativa, em Amores Mínimos Carrascoza leva à extrema delicadeza sua reflexão sobre os vácuos da alma. A coletânea contribui, assim, para consolidar uma obra construída com raro talento - e que, não à toa, já foi sublinhada, em sua particularidade, por um crítico do rigor de Alfredo Bosi.
AMORES MÍNIMOS
Autor: João Anzanello
Carrascoza
Editora: Record
(144 págs., R$ 34,90)
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