"No Limite": profissionais reprovam, público aclama

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Por Agencia Estado
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Terminado o primeiro programa da série de oito de No Limite, no domingo passado, a direção da Globo comemorou. Nunca a emissora obtivera uma média de 47 pontos de audiência e picos de 49 por volta das 23 horas de domingo. O horário, normalmente ocupado pelo Sai de Baixo, costumava conseguir uma média de 27 pontos. Nas duas horas seguintes ao término de No Limite, a Globo recebeu 4.500 e-mails. Cerca de 90% deles, segundo a Central Globo de Comunicação, eram pedidos de inscrição para um segundo programa, ainda não previsto. Mas quais são os limites de No Limite? Baseado em similares europeus e norte-americanos como Big Brother e Survivor e apresentado como uma gincana pela emissora, o programa e suas regras, que prevêem que os próprios participantes decidam pelo voto a exclusão dos companheiros, provocam discussão. A psicanalista Miriam Chnaiderman classifica o jogo de cruel, violento e autoritário, "um espelho radicalizado do mundo competitivo, em que aqueles que não cumprem os pré-requisitos são eliminados". Miriam acredita que a emissora tomou cuidado para apresentar a exclusão, ao ritualizar a votação em que os membros do time perdedor selecionam quem dentre eles deixará o grupo, e que Zeca Camargo, o apresentador, se mostra simpático. Mas considera que, em alguns momentos, como no qual os votantes declaram a uma câmera os motivos da escolha da pessoa a ser excluída, fica evidente o poder exercido pela TV e pela direção de No Limite. "O programa impressiona, mas o que mais impressiona é o fato de as pessoas aceitarem participar dele." Na opinião da psicanalista, as pessoas participam não por necessidade material (o programa premia com um carro os que saem do jogo e dará R$ 300 mil ao vencedor), mas por se sentirem sujeitos das próprias vidas ao aceitarem submeter-se às condições impostas pela rede de TV. Democracia na forma - Em No Limite, o segundo episódio vai ao ar domingo, após o Fantástico, duas equipes (Sol e Lua) têm de cumprir tarefas para dominar os quatro elementos: fogo, ar, terra e água. Cada participante recebe uma ração diária de cerca de 300 calorias, segundo a emissora, o mínimo necessário para que não passe mal, mas muito inferior à dieta normal (cerca de 2.000 calorias). Estão numa praia do Ceará e ficam lá até que sejam, pouco a pouco, eliminados. Quando sobrarem apenas dois participantes, o vencedor será eleito pela audiência. No domingo passado, a excluída era uma mulher mais gorda que seus companheiros. Duas pessoas tiveram diarréia - em razão, provavelmente, do excesso de consumo de coco colhido na região (os participantes podem colher alimentos). Para o professor de Filosofia Política da USP Renato Janine Ribeiro, é "espantoso como pode ser assustadora a democracia quando dela só temos a forma, isto é, a decisão pelo voto, sem o conteúdo, sem o que lhe dá vida, isto é, o respeito intenso ao outro". O programa abriria mão do essencial para concentrar-se no secundário. De acordo com a conselheira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Eunice Aparecida de Jesus Prudente, programas como esse são um atentado contra a dignidade das pessoas. "Em vez de discutir soluções para os problemas que temos e exercer a função de concessão pública, a TV fabrica ilusões distribuindo prêmios." A Central Globo de Comunicações, em resposta a questões enviadas pela reportagem, afirmou que "as regras de No Limite são baseadas nos critérios de uma gincana e não nos conceitos de ciências políticas". Para a emissora, o programa também não privilegia tarefas físicas. "No Limite é um jogo lúdico; durante o desenrolar do programa os participantes dos grupos terão de realizar provas de vários tipos e modalidades." O apresentador Zeca Camargo afirma que o jogo permite observar como funciona a natureza humana. "As pessoas são imprevisíveis, o que torna, assim, o programa imprevisível." Ainda na opinião da emissora, o programa não expressaria a luta pela sobrevivência travada no País. "Embora haja ênfase em as pessoas conseguirem superar dificuldades para atingir os objetivos propostos, nenhum corre risco de vida; não estamos tratando de realidade, estamos propondo um jogo de aventura." Para o sociólogo e professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP Waldenyr Caldas, no entanto, a fórmula "artificializa a competição" e "não tem sentido". Para ele, a emissora transformou o jogo num grande espetáculo por meio da cobertura jornalística e do marketing. Em entrevista ao site da Globo, a primeira eliminada do programa disse não ter ficado chateada por ter sido a escolhida para sair do grupo. "Eu errei", declarou Hilca. "É a regra do jogo." A direção da Globo não permitiu que Hilca fosse entrevistada antes de participar de vários programas da emissora. Também para o site, ela disse que ainda se considera uma integrante da equipe Sol e, de casa, torcerá para o grupo. Hilca diz não ter se sentido humilhada por ter sido avaliada publicamente e que se considera uma "vencedora". Ela acha que errou na prova da duna (não conseguiu subir, atrapalhando o desempenho da equipe numa prova que não era eliminatória) e merecia ter sido a escolhida para sair do grupo. Na avaliação da presidente do Conselho Federal de Psicologia, Ana Mercês Bahia Bock, não há "problemas com o projeto" do programa. Ela observou que "riscos existem", até porque a psicologia não trabalha com certezas. Mas, segundo ela, não são grandes riscos. "Todos no projeto estão empenhados em evitar imprevistos graves", afirmou. A presidente do Conselho Regional de Nutricionistas da 4.ª região (Rio), Lúcia Andrade, afirmou que não há problemas com o programa. "Existe comprovação científica de que naquelas condições uma pessoa consegue sobreviver", disse. "Isso, então, não se constitui crime contra a vida."

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