No coração dos jazzmen

Todo Aquele Jazz foge dos padrões das biografias para cativar o leitor

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Por Roberto Nascimento
Atualização:

Em Todo Aquele Jazz, o autor britânico Geoff Dyer compõe retratos de grandes figuras do gênero com a intimidade de quem os ouviu tocar nos tempos áureos da Rua 52 de Manhattan. Entretanto, quando escreveu o livro - durante uma temporada passada em Nova York, em 1990 - Dyer não passava de um entusiasta. Começara a ouvir jazz apenas 5 anos antes. Lia sobre o assunto há menos tempo ainda. "Quis ter uma abordagem diferente. Há muitos livros acadêmicos sobre arte, mas eles são densos e por vezes não falam às experiências sensoriais que as obras nos trazem", conta Dyer, em entrevista ao Estado, de Londres. O autor terá uma mesa na Flip desse ano. E através da mesma astúcia com que compõe ensaios e romances, concebeu textos sobre Lester Young, Chet Baker e Duke Ellington, com a autoridade de um veterano. Todo Aquele Jazz captura a essência dos músicos sem grandes ambições críticas. Não contextualiza a música, ou pondera sua influência em futuras gerações; apenas imagina o íntimo de cada instrumentista. Transforma fatos em uma não-ficção imaginada. Não se sabe, por exemplo, de onde veio, ou aonde vai Duke Ellington enquanto dirige por uma gélida estrada ao lado do saxofonista Harry Carney nas vinhetas que costuram o livro. Mas os relatos de Dyer sobre o processo criativo de Duke, que tinha suas ideias no carro, no trem, sempre em movimento, diz mais sobre a o compositor e sua orquestra do que muitos trechos de biografias. Da mesma forma, o amor de Thelonious Monk por sua mulher Nellie, retratado em uma cena em que o pianista liga para casa durante uma apresentação e deixa o telefone pendurado para depois perguntar à mulher o que achou da música, é doce como supomos ter sido o mundo íntimo do gênio. Dyer também faz justiça a Lester Young, narrando o ano passado pelo saxofonista no exército. Sabe-se que a fase afundou o músico em depressão, mas a história de como isso aconteceu é colorida por Dyer até que se forme um expressivo contraste entre a rigidez cruel do alistamento e o lirismo feminino de Young. Como teve a ideia de compor um livro tão pouco ortodoxo sobre um assunto que esbanja especialistas? É um processo. Faço isso de forma diferente em todo livro que escrevo. Em The Ongoing Moment, foi a fotografia. Tentei escrever como se estivesse registrando fotos. Em Todo Aquele Jazz, quis improvisar. Eu tinha 30 anos. Era fanático por jazz. Mas não encontrava nada escrito sobre o gênero que capturasse o som da música. Então fui para Nova York para escrever o livro que queria ler. Foi um processo diferente. Na maioria dos livros especializados, o autor faz anos de pesquisa e então chega ao temido momento em que tem de colocar aquilo no papel. Em Todo Aquele Jazz foi diferente, pois eu estava pesquisando e minha sabedoria estava sendo ao mesmo tempo em que ela estava sendo usada. E como foi o tempo que passou em Nova York? Você foi muito ao Harlem, ouviu muito jazz? Só me lembro que fumei muita maconha. A maconha é conhecida por sua capacidade de ajudar o ouvinte a entender a música melhor, então o jazz e a forma com que estava escrevendo sobre ele, faziam sentido para mim. O walkman era novidade naquela época, e eu perambulava chapado pela cidade. Além de romances, ensaios e outros livros, você escreveu recentemente sobre o filme Stalker, de Andrei Tarkovsky. Como foi a sua abordagem? Eu resumi o filme, imagem por imagem. Parece uma forma inapropriada, engraçada de fazer, mas deu certo. Eu sigo o filme de perto. Há digressões e notas de rodapé que duram 3 páginas. Falo de coisas que podem ou não ser relevantes. O caminho que os personagens tomam até a zona é tudo menos direto. Quanto mais perto chegam, mais lento o filme fica, e os personagens começam a filosofar.TODO AQUELE JAZZAutor: Geoff DyerTradução: Donaldson GarschagenEditora: Companhia das Letras (240 páginas, R$ 39,50)

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