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Niemeyer recusa proposta para novo WTC

Aos 93 anos, e em plena atividade, o mais festejado arquiteto brasileiro fala de seus novos projetos, rebate críticas e faz um balanço de sua trajetória

Por Agencia Estado
Atualização:

À beira dos 94 anos (ele os completa no dia 15), o arquiteto Oscar Niemeyer vive em intensa atividade profissional. Acaba de projetar um multiplex para exibir apenas filmes brasileiros, que será erguido na orla de Niterói (RJ). Também projetou um novo e arrojado auditório para Ravello, pequena cidade no sul da Itália, na Costa Amalfitana, a convite de Domenico de Masi. E foi convidado para participar de uma exposição com sugestões para a reconstrução das torres gêmeas do World Trade Center, destruídas em 11 de setembro por ataques terroristas. "Recusei, justificando não ter tempo para isso", disse o arquiteto, em entrevista hoje. Niemeyer rebateu críticas que recebe sobre questões de conforto e acústica em seus teatros, caso do auditório do Memorial da América Latina. A questão acústica, segundo ele, não cabe ao arquiteto. "Um dos primeiros teatros que projetei foi o de Brasília", contou. "Fiz o projeto em três dias durante o carnaval. No quinto dia, convoquei um grande especialista em acústica de Berlim, que veio ao Rio, fez o projeto e, como sempre ocorre, ficou responsável por esse trabalho", arrematou. "O projeto que elaborei para Araras, vários anos atrás, nunca sofreu críticas quanto à sua acústica", ponderou. "E, se por acaso surgissem, não seriam da responsabilidade do arquiteto." Recentemente, ele publicou artigos na imprensa reclamando da interrupção de alguns dos seus projetos em São Paulo - especialmente a construção de um teatro no Parque do Ibirapuera, que completaria seu conceito para o local, e a idéia para a recuperação do Rio Tietê (que prevê a desativação de uma das marginais). "É evidente que uma obra dessa natureza apresenta problemas", ele disse, sobre o fato de parecer inviável hoje, com o intenso fluxo viário, desativar uma das marginais. "Quando Brasília surgiu, os obstáculos que apareceram eram muito mais graves e o tempo muito mais curto, mas havia determinação e, quando isso existe, tudo é possível realizar." Disse que a retomada do projeto de um teatro no Ibirapuera, na região à frente da Oca, é necessária para concluir a idéia que teve para o parque inicialmente. A Prefeitura de São Paulo tinha demonstrado interesse em dar seguimento ao projeto. "Muitas idéias surgiram, vagas, perdidas no tempo, sem a continuidade indispensável", criticou o arquiteto. Niemeyer revela uma lucidez assombrosa e não se furta a opinar sobre assunto algum. Declara-se a favor da campanha dos artistas do Oficina, que combatem projeto do empresário Silvio Santos de construir um shopping center no entorno do que é o Teatro Oficina, projetado pela arquiteta Lina Bo Bardi. Há forte reação contra a idéia, principalmente de intelectuais e artistas. "Mesmo sem estar inteiramente a par do problema, estou solidário com eles", afirmou. O desafio de projetar um multiplex em Niterói foi enfrentado por ele sem hesitação. "É uma questão complexa (a dos cinemas) e o programa que me apresentaram - e eu atendi - previa sete cinemas", conta. Os problemas da nova situação da exibição de filmes, com salas geminadas e afluxo intenso de público, ele acha que é uma questão "para os especialistas". Outro projeto inacabado em São Paulo que o deixa particularmente desolado é aquele que ele idealizou para o antigo DOI-Codi em São Paulo. Ela ressalta que, além de arquitetônica, a obra tem um grande efeito simbólico. "Trata-se, a meu ver, de um protesto indispensável neste momento em que a violência se multiplica por toda a parte", afirmou. Sobre a polêmica que cerca o projeto de um auditório em Ravello - alvo de protestos de ambientalistas, que prevêem uma descaracterização das encostas da região -, ele se mantém indiferente. "Até agora, as informações que tenho recebido do meu amigo Domenico di Masi são que a obra vai ser realizada", afirmou, lacônico. "O resto é com eles." Oscar Niemeyer nasceu no Rio de Janeiro, no bairro das Laranjeiras, em 15 de dezembro de 1907, na Rua Passos Manuel, 26. Sua obra, nesses anos de trabalho intenso, se tornou mais que um anexo intelectual, mas um léxico muito particular dentro da arquitetura internacional, reconhecível seja nas curvas de Le Havre (projeto erguido na França, em 1982) ou na sua insofismável Brasília e a atualização modernista das colunas clássicas. Fez a sede do jornal L´Humanité, em Saint-Dennis; a Passarela do Samba, no Rio de Janeiro; o Memorial JK, em Brasília; a Ponte da Academia, de Veneza (Itália); o Museu do Homem de Belo Horizonte; a sede da Renault, na França; a sede da editora Mondadori, na Itália; entre outras inúmeras obras. Em um balanço retrospectivio, o arquiteto considera que o período em que trabalhou no Exterior foi o mais proveitoso, por possibilitar-lhe andar "disseminando a minha arquitetura e o progresso da engenharia em nosso país". Recebeu a Ordem de São Gregório das mãos do papa João Paulo II e a Grã-Ordem do Rio Branco do governo brasileiro. Segundo declaração publicada no livro de Jean Petit, Niemeyer, o Poeta da Arquitetura (Fundação Lina Bo e P.M. Bardi), ele se sentiu atraído pelo desafio da forma desde muito cedo. "Antes mesmo de ser arquiteto, eu já pensava em talhar esculturas no concreto armado", disse. "Sempre me senti atraído, desde jovem, pelas esculturas gregas e egípcias, a Vitória de Samotrácia; gosto das obras de Henri Moore e Heepworth, da pureza de Brancusi, das belas mulheres de Despiau e de Maillol, das figuras esguias de Giacometti." Manteve-se, até hoje, inflexível nas suas convicções e idéias. "Compreendo a crítica de arte, muitas vezes justa e honesta, mas sou de opinião que o arquiteto deve conduzir seu trabalho de acordo com as próprias tendências e possibilidades, aceitando-as sem revolta ou submissão, sabendo-a não raro justa e construtiva, mas sempre sujeita a uma comprovação que somente o tempo pode estabelecer."

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