New Orleans traz fôlego e faz justiça ao bom jazz

Cidade recebe a velha guarda e um raro sangue novo que oxigena o gênero

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Por Jotabê Medeiros e NEW ORLEANS
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Muitas vezes, juntar alguns veteranos da música pode ser uma espécie de extrema-unção antecipada. Em outras raras vezes, o encontro pode virar a reparação de uma lacuna histórica. Foi o que aconteceu em New Orleans com o septeto The Cookers, reunião de alguns dos mais graduados jazzistas veteranos em atividade nos Estados Unidos, como o trompetista Cecil McBee, de 77 anos (que tocou com Dinah Washington e Miles Davis); o pianista George Cables, de 69 anos (que tocou com Art Blakey); o baterista Billy Hart, de 72 anos; o saxofonista Billy Harper, de 70 anos; e o trompetista Eddie Henderson, de 73 anos. Juntos, eles somam quase três séculos de jazz em cena e mais de mil discos gravados. O jazz que fundiram nessa reunião, no entanto, é a coisa mais nova e vibrante da cena atual do rock, ao mesmo tempo que é algo amplamente conhecido. Heróis de diversas fases do gênero, eles conseguiram renovar sua dinâmica com essa reunião, com uma abordagem em alta velocidade e volume do jazz. Juntam uma certa fúria do hard bop com a nostalgia e a leveza do swing, mas também estão umbilicalmente conectados com o nervosismo do post-bop.O show no JazzFest de New Orleans, no sábado, foi um dos dados artísticos relevantes da jornada. Os 'garotos' da banda cumprem o papel de sidekicks, fazem parede para o nocaute. É o caso do trompetista Daniel Weiss, de 49 anos, que tornou-se um tipo de mestre de cerimônias para a trupe. O outro menino é o fantástico Craig Handy, saxofonista de 50 anos, cujo toque no metal é de estremecer a tradição. A ele cumpre fazer pendant com a elegância de Billy Harper, um dos mais clássicos em atividade. Weiss vai anunciando as músicas que executam - como quase todos são compositores de mão cheia, as músicas são desconhecidas mas vigorosas e consistentes. Do tema Capra Black, de Billy Harper, passando por Peace Maker, de Eddie Henderson, até a pulsão furiosa de Croquet Ballet, de Billy Hart (que tinha um certo mood de trilha de filme de Blaxploitation, uma doideira na fronteira entre jazz e funk), foi uma blitz que deixou extasiados os amantes do jazz, que lotaram a tenda para vê-los.Eles se juntaram tem uns três anos para essa jornada. Lançaram um disco no ano passado, Believe. Em tempos de novidades ralas no gênero jazzístico, os velhos combatentes se reúnem para mostrar que sabem o caminho. Falta algum curador de festival ou empresário esperto do ramo trazê-los imediatamente para tocar no Brasil (e ninguém mais pode se queixar que os ciclos estão esgotados).A outra grata reunião da jornada foi a que trouxe ao palco o baixista Stanley Clarke (que já foi um enfant terrible, mas hoje é um veterano) e o tecladista George Duke, de 67 anos, que já acompanhou de Frank Zappa a Cannonball Adderley, de Miles Davis a George Clinton. Foi a grande apoteose do festival. Repassando a história da música, passando do funk a disco music e da fusion ao hip hop, eles fazem um carnaval em cena. A plateia não queria mais deixá-los ir embora. Outro fato importante foi o show do garoto Frank Ocean. Seu hip-hop (que na verdade é mais R&B) detona uma onda de boas coisas sobre um gênero sempre tão excludente: muitas garotas, muitos casais gays, muita alegria na plateia. Ocean domina a cena com presença, sem marra, sem firulas, e ainda canta muito.

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