29 de abril de 2011 | 00h00
Na história, o protagonista é alguém que faz leituras de tarô naquelas imagens de mau gosto impressas em maços de cigarro, ali colocadas para, supostamente, dissuadir fumantes. Ele se une a uma cantora sem voz, também ela tabagista militante. Ambos passam a morar num quarto de hotel. Ele não quer deixar o aposento; ela dá suas saidinhas. E é tudo. Ou, por outro lado, esse fiapo de história pretende abarcar um mundo, caso tivesse eficácia.
O personagem, sem nome, é interpretado pelo próprio Mutarelli; a cantora afásica, pela atriz Simone Spoladore. Há um desnível de atuação entre os dois, que poderia ter até beneficiado o filme. Afinal, ele é feioso, desajeitado, assexuado, e não precisa fazer qualquer esforço para expressar o mal-estar que aquela situação está lhe causando; constrangimento que poderia ser traduzido como mal-estar no mundo, o que é bem o tema de fundo do filme como do livro. Ela é intensa, expressiva, cheia de vitamina sexual.
O diretor faz o que pode para manter a tensão dentro do ambiente fechado que lhe propõe a peça literária. Inclusive, o trabalho fotográfico, de Lito Mendes da Rocha, é dos mais interessantes, opressivo. O que funciona menos é esse desenvolvimento de neurose sem tema, que fica rodando em círculos sem conseguir se desenvolver. A impressão de neura repetitiva se impõe num ritmo cansativo que dá voltas em torno do seu próprio vazio. Qualquer terapeuta sabe como uma neurose pode ser chata, em especial para o próprio neurótico. No caso do personagem interpretado/vivido por Mutarelli, esse círculo sem fim da ruminação existencial não é interrompido por qualquer sacada que o ilumine ou quebre. Apesar das insinuações finais, é ele o seu próprio canibal.
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